Ditador ou não ditador. Será esta uma questão?

Especialistas contactados pelo B.I. não têm dúvidas que o antigo presidente de Cuba foi um ditador. Alguns políticos portugueses, em particular à esquerda, preferem não usar este termo quando se referem ao líder da revolução cubana 

Fidel Castro morreu na passada sexta-feira aos 90 anos. Morreu um herói? Morreu um ditador? As opiniões dividem-se e alguns partidos políticos portugueses parecem evitar a utilização do termo pejorativo quando se referem ao antigo líder cubano. “Na prática política, a linguagem pode ter efeitos não esperados portanto pode haver uma preocupação em usar uma linguagem mais neutra”, afirma Lívia Franco, professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Mas não tem dúvidas: “Como académica, posso dizer que Fidel Castro é um ditador. Sempre que alguém governa sem liberdade, onde os direitos e garantias mais básicos da população não são cumpridos nem estão garantidos, é claro que é um ditador”, garante. A especialista relembra mesmo que a “principal característica de um regime que não é ditatorial” é a “alternância”, algo que não existiu em Cuba “desde o final da década de 50 até à atualidade”.

Adelino Maltez vai mais longe. “Ditador é pouco. Fidel foi o criador de um sistema totalitário, isso é inequívoco”, explica o professor de Direito Internacional do Instituto Superior de Ciências Políticas. Ainda assim, considera natural os partidos não recorrerem à palavra ditador. Maltez recorda que Cuba “faz parte do universo ibero-americano” e que Fidel assumiu algo “que é muito caro a quase todos: a independência nacional contra o imperialismo”. Mas, sobretudo, é importante ter em conta as relações entre Portugal e Cuba, diz. “Até Salazar manteve relações diplomáticas. Os partidos não são só eles, representam um pouco dos interesses nacionais portugueses. Portanto, tiveram um cuidado natural”, acrescenta.

Ao contrário da presidente do CDS, Assunção Cristas, Nuno Melo não poupa na expressão ditador. “Fidel Castro foi um ditador e o regime cubano uma ditadura implacável que violou direitos, liberdades e garantias básicas de muitos cidadãos, a começar pelo direito à vida”. O eurodeputado diz mesmo ao B.I. que repudia e repugna as “declarações revisionistas e desculpabilizantes da generalidade dos partidos da esquerda”. “Acho extraordinário que vivamos num país onde para toda a esquerda e para grande parte do comentário político parece que só têm existido ditadores de direita, ou melhor, ditadores de extrema direita”, acrescenta.

Já para a eurodeputada Marisa Matias, não cabe aos partidos portugueses conotar o ex-líder cubano de ditador. “A classificação de ditador, ou não, deve ser feita pela própria população cubana – que nunca assim o classificou – independentemente de eu não me rever em muitas das opções tomadas por Fidel Castro”, explica a bloquista, acrescentando que é importante não esquecer o papel histórico de Fidel Castro no combate contra o colonialismo americano. “Houve um país que acabou por ser libertado dessas rédeas coloniais numa revolução que durou vários anos”. Esta última ideia vai ao encontro do que foi dito pelo responsável pelas relações internacionais do PS ao B.I.: “Fidel Castro foi uma figura marcante do século XX, que desempenhou um papel determinante no aprofundamento das relações diplomáticas entre Portugal e Cuba. Foi uma liderança que ocorreu num tempo com circunstâncias históricas muito específicas – não nos podemos esquecer que foi no contexto da Guerra Fria. Agora devemos concentrar a nossa atenção no futuro”, disse Francisco André, sublinhando que a história encarregar-se-á de avaliar a liderança de Castro. 

O voto de pesar do grupo parlamentar do PS fala no desaparecimento de “uma figura de importância central na leitura do século XX e cujo legado na história latino-americana e internacional será certamente objeto de extensa análise historiográfica nas décadas vindouras e […] de intenso e apaixonado debate entre os que aderem ou se opõe ao seu percurso ideológico e político”. Fidel é ainda recordado como alguém que “sempre estimou os laços que unem os dois povos” e que foi “determinante no aprofundamento das relações diplomáticas e de proximidade entre Portugal e Cuba após a Revolução do 25 de Abril”. 

De resto, esta semana entraram no Parlamento dois votos de pesar pela morte do antigo presidente cubano: um do PS e outro do PCP.  “Fidel Castro foi uma personalidade cuja dimensão foi universalmente reconhecida não apenas pelos que partilham do seu ideal e projeto de construção de uma sociedade mais justa e solidária, mas também pelos mais diversos estadistas e dirigentes ao nível mundial”, destacam os comunistas. 

O Bloco de Esquerda votou a favor de ambos. O CDS foi o único a votar contra. O PSD absteve-se nas votações. Cinco deputados votaram contra. “O PSD por princípio não vota contra o pesar da morte de alguém”, explica Duarte Marques ao SOL. O deputado foi aliás um dos 15 parlamentares que assinou uma declaração de voto conjunta na passada terça-feira. No texto, os deputados não negam a importância do ex-líder “na história do séc. XX nem a necessidade de aprofundamento das relações entre Portugal e Cuba”. Recusam-se, no entanto, a “a pactuar com o branqueamento da faceta de ditador de Fidel Castro”. “O PSD refere-se a Fidel Castro como ditador. O problema foi que no debate não houve oportunidade para os partidos falarem. Se tivesse havido dois minutos, o PSD teria dito isso. De certeza que o partido não vai branquear o passado de Fidel Castro”, assegura.