Deputado do PSD e dos Algarves, fundador da Festa do Pontal, deputado à Assembleia Constituinte e social-democrata, Cristóvão Guerreiro Norte faleceu na passada segunda-feira, com 78 anos de idade. O funeral foi na quinta-feira.
O PSD/Faro lançou um comunicado à imprensa que o descrevia como «figura mítica da democracia em Faro e no Algarve no período pós-25 de Abril». Nasceu no ano de 1938 em Almancil, no seio de uma família de posses escassas, indo trabalhar antes de dedicar-se aos estudos. A licenciatura foi em Direito, na Universidade de Coimbra. No mundo das leis, foi delegado do Procurador-Geral da República em múltiplas comarcas e conservador de registo.
Entrou na política pela mão de Carlos Alberto da Mota Pinto, um dos históricos fundadores do PPD – hoje Partido Social Democrata – e inaugurou o partido em terras algarvias. Em 1975, é o único deputado do PPD eleito pelo círculo eleitoral de Faro à Assembleia Constituinte, sendo consecutivamente eleito deputado até 1991. Na Constituinte, foi membro da comissão permanente, que entrava em cena quando a assembleia via os trabalhos interrompidos; algo mais comum no período pós-revolucionário dos anos 70. Marcelo Rebelo de Sousa, Freitas do Amaral, Vital Moreira e Jorge Miranda foram seus colegas nessa comissão permanente.
Nas várias legislaturas como parlamentar social-democrata, Norte destacou-se como impulsionador do decreto-lei que garantiu a implementação da Universidade do Algarve, em 1978 – algo ainda hoje reconhecido como um dos maiores feitos a nível regional durante a III República.
Fez também parte da célebre comissão parlamentar para Timor-Leste, na década de 80. Fora da política, foi diretor de um jornal regional e foi autor de uma monografia sobre a sua terra-natal.
Cristóvão Norte é recordado como o grande impulsionador algarvio da Festa do Pontal, que ainda hoje se celebra, sendo uma das tradicionais reuniões do Partido Social Democrata já tornadas em ritual. Em 75, o partido havia eleito somente um deputado em nove possíveis para o Algarve. Entre Beja, Évora e Faro, o PPD conseguiu apenas colocar Cristóvão Norte na Assembleia Constituinte.
Perante as adversidades regionais que, eleitoralmente, o partido encontrava, Norte projetou a Festa do Pontal como meio de implementação – e até apaziguação – do PPD abaixo do Tejo, onde a esquerda dominava.
A hegemonia socialista e comunista no Sul não expirou, como é sabido, mas a Festa do Pontal, mesmo que com um carga popular menos acentuada, continua de pé todos os verões. É o Pontal que abre anualmente a temporada política do PSD. «E pelo menos pedras já ninguém nos atira», sorri um militante que ainda se recorda do tempo de Cristóvão Norte e Francisco Sá Carneiro.
O filho, que herdou o nome do pai e hoje também deputado à Assembleia da República pelo PSD, conta ao SOL que «já nessa altura, as pessoas tinham o hábito de passar férias no Algarve e o Pontal, com isso, chegou a ter quase quinze mil pessoas». Foi ao Pontal desde criança com o pai, recorda que até chegou a haver um campeonato de motocross. «Tenho muitas memórias dessa festa», conta também.
O pai fez com que o filho tivesse um berço social-democrata. «É a minha referência, claro, tinha uma expressividade muito característica da época, muito assertiva».
Norte teria uma substancial proximidade afetiva com os militantes da região, lutando por implementar o partido em território muitas vezes adverso. O cenário também o obrigava a um estilo determinado, por vezes quase inflamado de convicção.
Os comícios do PSD eram constantemente interrompidos por apedrejamentos até à normalização democrática e o temor físico dava outro caráter ao combate político, mais literal. «Até com Sá Carneiro aqui aconteceu, fruto de intolerâncias políticas mais radicais mas muito abundantes na altura, mas ele não se vergava; tinha uma energia dedicada à causa, contagiante».
A vida política dos Norte nunca se cruzou cronologicamente – Cristóvão entrou no parlamento bem depois da reforma do progenitor – mas o filho relembra essas histórias com igual orgulho.
A Câmara de Albufeira manifestou os seus pêsames e o PSD/Faro declarou um luto de três dias. No aniversário dos quarenta anos da Constituição, Norte fora agraciado como deputado honorário da Assembleia da República. Uma casa onde esteve dezasseis anos e que viu dezenas dos seus deputados despedirem-se de Cristóvão Norte, em Almancil, nesta quinta-feira. O partido perde um histórico. Mas a sua história não o esquece.