Foi um frágil e mórbido François Hollande que se apresentou à frente das câmaras, na quinta-feira à noite, para notificar os franceses da decisão de abdicar de concorrer ao cargo que ocupa. As diferenças entre o homem cansado, que ali mandou a toalha ao chão, sob o pretexto de não querer contribuir ainda mais para despedaçar a esquerda em França, e o triunfante ‘Sr. Normal’ que, em 2012, prometeu varrer as excentricidades de Nicolas Sarkozy do Eliseu, são inegáveis e espelham bem a vertiginosa viagem percorrida por Hollande rumo ao isolamento político.
Com os candidatos da direita já perfilados para a primeira volta das eleições presidenciais francesas, marcadas para abril de 2017 – François Fillon correrá pelos Republicanos e Marine Le Pen pela Frente Nacional –, as atenções dos franceses estão viradas para a esquerda, a começar pelo seu partido de maior expressão que, mesmo não parecendo, tendo em conta os níveis históricos de impopularidade que sobre ele pairam, ainda detém a presidência.
Os sinais transmitidos por François Hollande até pareciam indicar que poderia ser candidato, particularmente depois de ter aproveitado uma conferência de imprensa, em setembro deste ano, dedicada ao combate ao terrorismo, para proferir um discurso inflamado, no qual explicou porque é que era o único líder em França com capacidade para liderar essa luta. As palavras utilizadas foram duras e a imprensa francesa apontou-as como críticas diretas a Sarkozy.
Quis o destino que os ex-rivais das últimas eleições presidenciais ficassem mesmo de fora na corrida do próximo ano. Sarkozy derrotado nas primárias dos conservadores, Hollande receoso de uma humilhação histórica e de mãos dadas com uns embaraçosos 7% nas intenções de voto dos franceses.
«Estou consciente dos riscos de seguir um caminho que não reuniria apoio suficiente, por isso decidi que não serei candidato às eleições presidenciais», anunciou o líder socialista, citado pela France 24, tornando-se no primeiro presidente da V República a renunciar a uma recandidatura ao Eliseu. Movido pelo «superior interesse do país», pela «lucidez» e pela «humildade» – que afirma ter-lhe sido transmitida pelo tempo em que esteve no poder –, Hollande justificou não querer contribuir para a «dispersão da esquerda».
Para trás ficam quatro anos com mais baixos do que altos. A redução ténue da taxa de desemprego, a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a assinatura histórica do Acordo de Paris sobre as alterações climatéricas, figurarão, seguramente, nas avaliações futuras sobre a presidência de Hollande. Mas será pela impopularidade recorde, pela dificuldade em combater o terrorismo, pelo caso amoroso com Julie Gayet, pela quebra da promessa de aplicar a taxa de 75% aos mais ricos, pela submissão a Angela Merkel e, acima de tudo, pela incapacidade de se reagir ao crescimento brutal da extrema-direita, que será lembrado, em França.
Caminho livre para Valls
A renúncia de Hollande deixa via aberta para o seu primeiro-ministro Manuel Valls avançar para as primárias do Partido Socialista, marcadas para o final de janeiro. Descartada a disputa com o ex-ministro de Hollande, Emmanuel Macron, que concorrerá sem o apoio do partido, sobram poucas soluções à esquerda moderada para ocupar o vazio deixado pelo presidente.
Uma realidade que levou, inclusivamente, o conhecido economista Thomas Piketty a sugerir ao candidato do Parti de Gauche, Jean-Luc Mélechon, que se candidate às eleições internas do Partido Socialista.