Renzi apostou alto e perdeu desastrosamente. Praticamente 60% dos eleitores italianos rejeitaram a sua proposta de alteração constitucional e forçaram o jovem primeiro-ministro italiano a anunciar a sua demissão na noite de domingo, apenas meia hora depois das urnas encerrarem, num discurso em que parecia lutar contra as lágrimas e sugerir que uma derrota tão pesada – 59,95% contra 40,05%, com uma afluência de 68,2% – pode deixá-lo de fora das escolhas do seu partido para as próximas eleições.
“A minha experiência de governo termina aqui”, disse Matteo Renzi, que esta segunda-feira vai reunir-se com os seus ministros e – já pela tarde – com o presidente italiano, Sergio Mattarella, que tem a chave do desfecho político imediato. “Quis reduzir o número de assentos políticos e o que acabou foi o meu. A vitória do ‘não’ foi extraordinária. Perdi, e ainda que na política italiana ninguém perde. Também não se ganha, mas ninguém perde e depois de todas as eleições tudo fica igual. Quero repeti-lo em voz alta: perdi.”
O primeiro-ministro que chegou ao poder para abalar o seu próprio Partido Democrático e a política italiana transformou o referendo de domingo num plebiscito a si próprio. Quando apresentou o seu plano de mudanças constitucionais, que pretendiam essencialmente retirar o poder a uma das câmaras parlamentares e concentrar competências no governo, Renzi vivia um alto de popularidade. Em janeiro prometeu demitir-se caso o plano não fosse aprovado e domino cumpriu a promessa: “Aqui se acaba o meu governo. Vou-me sem remorsos.”
Renzi enfrentava não só um eleitorado a quem deu um crescimento económico abaixo do que prometia: os italianos penalizaram-no pelo polémico programa de resgate a pequenos bancos, assim como pela última alteração à lei eleitoral, que, dando deputados extraordinários ao próximo partido vencedor das legislativas, já concentra poder no executivo. Tinha para além disso pela frente a oposição dos partidos tradicionais e as duas grandes formações populistas – o indecifrável Movimento 5 Estrelas e o xenofóbico e antimigração Liga Norte.
O clima fora do Palazzo Chigi era de euforia. Principalmente nos dois partidos populistas que encabeçaram a oposição a Matteo Renzi e que na noite de domingo reivindicavam eleições antecipadas. “Viva Trump, viva Putin, viva Le Pen e viva la Lega”, lançou o líder da Liga Norte, Matteo Salvini, que, apesar de não ser um pareceiro natural do Movimento 5 Estrelas, fez frente comum com o grupo do humorista Beppe Grillo para se opor ao projeto de Renzi. De França, Le Pen disse que o voto no referendo “descredibiliza a União Europeia e Renzi”.
Nesta segunda-feira as bolsas dos países europeus do sul caíam na ordem dos 2%, à medida que nos mercados se temia uma nova onda de choque na arquitetura da moeda comum e comunidade europeia. A Itália, a terceira maior economia na União Europeia, tem pela frente uma difícil recapitalização do seu terceiro maior banco e um crescimento ameno. Mas não há garantias que os seus dois partidos populistas anti-europeus capitalizem muito com a queda de Renzi, por mais estridentes que tenham sido durante a campanha.
A pesada derrota de Renzi pode não ter sido uma grande vitória dos movimentos populistas italianos. Mario Monti e Massimo D’Alema – dois ex-primeiros-ministros de campos antagonistas – fizeram também campanha contra Renzi, como, aliás, a ala esquerda do seu próprio partido. Salvini e Beppe Grillo reclamam vitória, mas, como escrevia esta segunda-feira a correspondente do “Guardian” em Roma, Stephanie Kirchgaessner, muitos dos eleitores que votaram contra Renzi no domingo fizeram-no pensando que “o crescimento do populismo tornava as alterações constitucionais especialmente perigosas”.
Poucos esperam que o presidente italiano – próximo aliado de Renzi e do seu Partido Democrático – convoque eleições antecipadas. O mais certo, como escreviam esta segunda-feira o “Financial Times” e “Guardian”, é que Sergio Mattarella aponte uma das figuras mais próximas do primeiro-ministro demissionário, como Piero Grasso, o juiz anti-máfia que preside o Senado; ou Pier Carlo Padoan, o ministro italiano das Finanças, apreciado em Bruxelas.
Às primeiras ondas de choque com a demissão e Renzi podem-se seguir sequelas menos intensas do que o esperado. Recorde-se, aliás, que o governo de Renzi era já o 63.º em 70 anos de democracia em Itália. O poder não amadurece bem em Roma.