A nação vira para ti os seus olhos solitários… O tempo já não é o mesmo em que se adoravam heróis e se mitificavam as suas amantes, mais ou menos pudicas, mais ou menos públicas. Debruçamo-nos sobre o passado e fica sempre um agosto amargo de quem falhou o futuro. Nos Estados Unidos, o presente costumava ser o futuro.
Parece que a Mrs. Robinson de Paul Simon se chamou inicialmente Mrs. Roosevelt. O cantor estava a preparar uma música para o filme The Graduate – com Dustin Hoffman a fazer de Benjamin Braddock e as belíssimas mãe e filha (só na tela!), Anne Bancroft e Katharine Ross – e aceitou a sugestão de esquecer a ex-primeira dama. «É uma música sobre coisas antigas, sobre a senhora Roosevelt e sobre Joe DiMaggio e mais umas tralhas», terá dito Paul. Tornou-se um êxito.
Muito antes de Simon & Garfunkel combinarem vozes em Mrs. Robinson, a insinuante senhora que seduz o jovem estudante, já Joe DiMaggio seduzia os americanos. «Jolting Joe has left and gone away…hey, hey, hey». Lá está: a orfandade.
Filho de uma família italiana de pescadores, tinha as características essenciais para o sucesso: era um de nove irmãos, os pais eram gente de trabalho e ele tornou-se uma estrela à velocidade de, pelo menos, 300 quilómetros por segundo. Aos 19 anos entrou na história do basebol. Em 1943 quis ir à guerra, mas recusaram-lhe o pedido: manteve-se como instrutor de educação física do_Exército dos Estados Unidos em sítios tão tranquilos como Santa Ana, Califórnia, e Atlantic City, Nova Jérsia. Confessou-se desgostoso. Faltava-lhe o combate para ser herói. Talvez Jesus gostasse mais dele do que o próprio sabia.
DiMaggio, ao contrário de Mrs. Robinson, parecia não ter nada a esconder das crianças. Jogava sem esforço, era elegante, passava por mulherengo. Casou-se com a atriz Dorothy Arnold que era de uma beleza cristalina e tinha olhos de água e, depois disso, atribuíram-lhe um nunca mais acabar de romances. A começar pela Miss América, Marian McKnight, e a acabar em Marlene Dietrich, o Anjo Azul.
Pelo meio, enredos cinéfilos com belezas do grande ecrã: a espampanante Elizabeth Ray, Morgan Fairchild, do insuportável Dallas, a beiçuda Cleo Moore. Para nunca mais acabar:_Norma Jeane Mortenson, The Candle in the Wind.
Joe conheceu Norma em janeiro de 1954 e, oito meses depois, já se envolviam em canas públicas de gritaria um tudo nada barata. Ela acusou-o de «mental cruelty» e seguiu a sua vida. Ele deitou-se no divã do psiquiatra e deixou de beber álcool.
Vício por vício, esta espécie de «Robinson’s affair, with a little secret most of all to hide from the kids» tocou a ambos. Marilyn casou-se entretanto com o dramaturgo Arthur Miller, partilhou a cama com várias espécies de seres humanos, desde presidentes a choferes, e entrou numa espiral que a desalinhava do homem limpinho em que DiMaggio se tornara: uma espécie de genro perfeito para qualquer sogra.
Joe fumava como uma chaminé e dava cabo de uns cigarros antes de entrar em campo com a camisola dos New York Yankees, clube que levou a nove World Series em 13 anos. Marilyn seria internada na Payne Withney Psychiatric Clinic e sairia de lá pela mão do ex-marido. O regresso do casal maravilha às luzes da ribalta também valeu uma música: The Second Time Around, de Bob Hope – «Love is lovelier the second time around…».
Joe DiMaggio e Marilyn Monroe formaram um daqueles casais que são mais filme do que propriamente vida real. Tal como Marcel Cerdan e Edith Piaf, que já passaram por este canto abaixo assinado. Preocupado com o estado de dependência de barbitúricos por parte de Marilyn, e com o tipo de pessoas com as quais desenvolvia as suas intimidades, Joe quis voltar a casar com ela. Não foi a tempo de evitar o seu suicídio, se é que foi suicídio, e durante os vinte anos seguintes mandava depositar, religiosamente, meia-dúzia de rosas vermelhas na sua campa do cemitério de Westwood Park, três vezes por semana.
O tabaco matou Jolting Joe. O cancro espalhou-se-lhe pelos pulmões e levou-lhe a vida aos 84 anos. Diz a lenda, que é sempre bem vinda nestas histórias de amores inquietos e fatais, que se despediu dizendo: «Finalmente vou ver Marilyn outra vez». Não sei se viu. Não acredito nem nos santos óleos, nem em imaculadas conceções e muito menos em ressurreições. Por isso a canção continua a fazer sentido: «Where have you gone, Joe DiMaggio?_Our nation turns its lonely eyes to you».