João Barbosa. “Gostava de competir contra os melhores de Portugal! Estou preparado”

Depois de um trabalho excelente no Oriental, o treinador de 39 anos espera por um projeto novo

João Barbosa ficou para a história do Oriental graças a um trabalho que faz prometer uma carreira segura no futebol português. Aos 39 anos tornou-se o treinador com mais jogos no velho clube de Marvila. Levou-o à II Divisão e conduziu-o numa interessantíssima participação na Taça de Portugal, na qual eliminou o Vitória de Setúbal e esteve a uma grande penalidade de afastar o Marítimo nos Barreiros. Defrontou o Benfica olhos-nos-olhos para a Taça da Liga e só foi derrotado por um lance individual de Talisca. É minha opinião que tem tudo para surgir, em breve, naquele universo de jovens técnicos que há muito vai dando cartas. Está á espera que a oportunidade surja. O mais depressa possível. Até lá mantem-se atento, procurando aprender todos os dias mais um pouco sobre a profissão que o fascina, a de treinador de futebol. 

Comecemos por aqui: por que estás desempregado?

Isso dava um livro…

Há falta de espaço? Há treinadores a mais?

Não é só uma questão de competência. Às vezes é preciso mais qualquer coisa para que a oportunidade surja para um treinador jovem. O projecto certo, o momento certo. E a palavra certa. Não sou muito do género de aparecer, de me fazer notar. Prefiro ser escolhido pelas minhas qualidades humanas e profissionais.

Sim, não te pões em bicos de pés. Achas que és um marginal?

Sim. Posso dizer que sim.

Então? Porquê?

Para já não vou falar de mim. Vou falar de nós. Tenho uma equipa da qual fazem parte o Jorge Nabais, o Borges, o Paulo Sérgio, e trabalhamos em conjunto. É assim que me sinto bem. Ninguém tem sucesso sozinho. Para mim é claro. Quanto ao resto, direi que o nosso trabalho acabou por não ter a visibilidade que talvez merecesse. Estranhamente. É a tal qualquer coisa que nos tem faltado. Há alguns cujo trabalho é sempre reconhecido e surgem continuamente nos planos dos clubes. Eu não faço parte de um certo futebol ao qual não tenho acesso nem se conjuga muito com a minha forma de estar na vida.

Até onde pensas que podes chegar? Qual a tua ambição?

Aí preciso de fazer a distinção do que é parte de um sonho e aquilo que é a realidade.

Muito bem: vamos ao sonho…

Chegar ao topo do futebol português que, para mim, é dos mais evoluídos do mundo em termos de treino. Reconhecendo ao mesmo tempo que eu e a minha equipa não fazemos parte de um determinado circuito, mas isso seria voltar à mesma conversa. Não vale a pena andarmos em círculos.

Como vês os treinadores portugueses?

Não tenho a mínima dúvida que as gerações de qualidade dos treinadores portugueses não vão ficar por aqui. Na minha geração há um grupo fantástico e posso confirmá-lo por aqueles que encontrei no curso do 4º nível. Fantásticos! Foi um gosto estudar com eles.

Falas de visibilidade, mas o teu trabalho no Oriental foi ótimo.

Só saindo de um clube como o Oriental é que percebemos o que lá deixámos. Fui, com 39 anos, o treinador que mais jogos fez por um clube tão histórico como aquele. Um trabalho muito bonito, embora talvez não totalmente reconhecido como tal. 

Que importância teve a tua passagem pelas camadas jovens do Benfica?

Treinar num grande clube, nem que seja apenas na formação, dá-te desde logo uma cultura de vitória. O objetivo é ganhar. Ganhar sempre. Fui ensinado a ganhar, no Benfica. Há treinadores que, na sua essência, trabalham para não perder. Eu fui educado a querer a vitória. Além disso trabalhei com a nata de um conjunto de jogadores que só se encontram num clube de topo.

Por exemplo?

Não consigo dar exemplos. São muitos. Seria até injusto destacar uns em detrimento de outros.

Mas, na formação do Benfica, cruzaste-te com alguns dos miúdos que agora estão na moda…

Não quero entrar por esse caminho de fazer comparações. Os jogadores são como os treinadores. Não basta o talento. O talento não chega se não for acompanhado por trabalho muito duro.

De que forma sentes que esse contacto com miúdos te ajudou na tua carreira de treinador

Olha, diria que sou de opinião que um treinador só se torna verdadeiramente completo depois de trabalhar com miúdos e entender as autênticas restrições que existem no trabalho com crianças. Tens de saber criar e cortar expectativas. Passar pela formação – seja de que clube for – é super gratificante. Receber um rapaz de 16 ou 17 anos e ajudá-lo a perceber para onde quer ir e para onde o podemos levar, é algo de extraordinário. Temos um peso muito grande no seu grau de maturação e isso contribui tanto para melhorarmos o nosso próprio grau de maturação. 

Tens ídolos? Mestres?

As pessoas com as quais aprendi formaram-se na minha geração e fomos mantendo o contacto até hoje. Falamos sobre futebol com frquência e de uma forma absoluta. A muitas delas reconheço…

Sabedoria?

Não. Reconheço a qualidade do seu trabalho. Por exemplo, falo de gente que tirou o curso comigo. Outros que trabalharam comigo na formação do Benfica. Tudo gente com quem contacto regularmente e me transmite conhecimentos. 

Não tens um modelo?

Tenho. Mas é um modelo na forma de estar. Baseado numa ideia de família porque foi essa a minha aprendizagem no futebol. É sempre mais fácil ser justo ou correto quando esses são pilares da nossa educação. O futebol é, na generalidade, um mundo hostil. Um mundo de exigências e de confrontos contínuos. Transportei as minhas convições para aquilo que estudei. E não é difícil conciliar. 

Como sobrevives actualmente?

Abdiquei de muito para estar aqui, onde estou, embora sem trabalho para já. Era professor na faculdade, poderia ter escolhido outros caminhos. Mas é isto que eu quero e vou continuar a trabalhar para poder fazer aquilo de que gosto.

Consegues dizer que estás onde queres estar?

Posso dizer que estou no mundo no qual quero viver. Foi aqui que apostei tudo. E perdi muita coisa para que assim fosse. Todas as manhãs acordo com a sensação de quero viver no universo do futebol. A cabeça não pára quando vou a caminho do treino. Aliás, não pára nunca. É uma sensação fantástica! O próximo dia é sempre o mais importante. 

Não tens tido convites para treinar nestes últimos tempos?

Tive vários convites.

Não prestavam?

Houve alguns que rejeitei pela razão sobre a qual falei há pouco. Não trabalho sozinho, tenho uma equipa que me acompanha, não iria aceitar ir sem ela. Outros convites houve que rejeitei por querer um projeto no qual me encaixe e que tenha dimensão. 

E, já agora, qual é a dimensão sobre a qual estamos a falar?

Gostava de competir contra os melhores de Portugal e sinto-me preparado e com qualidade para isso. Mas não sei se, neste momento, surgirá alguma coisa interessante. Talvez

Pões a hipótese de treinar no estrangeiro? Já estiveste em Angola, na equipa técnica do Carlos Manuel.

Estive e aprendi muito com essa aventura. Sobretudo a lidar com situações muito difíceis, extremas até. Se surgir uma hipótese de trabalhar no estrangeiro, claro que vou estudá-la com interesse. Talvez seja mesmo mais fácil aparecer um projeto bom lá fora do que aqui.

Voltemos ao tema do desemprego:  como se compreende que treinadores com currículo como Toni, Artur Jorge, Vítor Manuel ou Manuel José não consigam trabalhar em Portugal ? 

Talvez porque o futebol português evoluiu muito em ciência do treino em relação ao que era o tempo de todos eles. Eles são de um futebol mais familiar, mais de afetos, e foram grandes craques nisso. Continuam a ser referências para jovens como eu. 

Mas depois há outros da mesma geração que estão sempre com as portas dos clubes abertas…

Fazem parte de um certo futebol no qual não me reconheço. Mas também faz parte…É mesmo assim.