Índia.O devorador apetite dos Tigres de Bengala

Em três épocas – as três primeiras da Indian Super League – o Atlético de Calcutá, franchise do Atlético de Madrid, conquistou dois títulos de campeão e, este ano, com dois portugueses na equipa

Dia 18 de Dezembro: Jawaharlal Nehru International Stadium, Kochi, Kerala. Na Índia há nomes inconfundíveis. Nehru, o pandita. Ensinavam-nos logo na primária que era um bandido, inimigo de Portugal. Jawaharlal Nehru: primeiro primeiro-ministro da Índia, desde o dia 15 de Agosto de 1947 (extraordinário livro de Lapierre e Collins, “Freedom at Midnight”), a data da independência, até 27 de Maio de 1964, data da sua morte. Há muitos estádios na Índia com o nome de Nehru. Inclusive o de Margão, em Fatorda, que serve de palco para todos os jogos do campeonato de Goa. Este é em Kochi – talvez Cochim diga mais aos portugueses. Foi aí que, em 1500, Pedro Álvares Cabral, depois de ter dado um saltinho ao Brasil, fundou um enclave que foi, durante muitos anos, a capital da Índia Portuguesa.

Pois foi em Cochim que se disputou a final da Indian Super League, entre Atlético de Calcutá e os Kerala Blasters, com vitória dos franchisados do Atlético de Madrid nas grandes penalidades (4-3) depois de um empate (1-1) no final do prolongamento.

Vejamos algo, entretanto. Não é por acaso que as equipas do campeonato indiano têm estes nomes meio americanizados como Kerala Blasters ou New Delhi Dynamos. Afinal todos os clubes foram criados um pouco artificialmente para se avançar com um campeonato a nível nacional, terminando com o antigo método de fazer jogar numa fase final os campeões de cada Estado – aqueles que têm futebol, como está bem de ver.

Fechem-se os parêntesis. Voltemos a Cochim onde mais de 60 mil pessoas assistiram ao vivo à final entre os homens de Calcutá e a equipa da casa. Já sabemos quem ganhou – é a segunda vez que o Atlético de Calcutá se sagra campeão indiano em três edições da Super League – e com dois jogadores portugueses no plantel, Hélder Postiga, que já estivera no clube na época anterior, e Sereno, defesa que passou pelo Vitória de Gumarães e FC Porto e que até marcou (aos 44 minutos) o golo que nessa altura dava o empate aos “colchoneros indianos” – na Índia não há o hábito de colchões às risquinhas, mas “franchise oblige”…

A final deste ano repetiu a de há duas épocas – vitória do Atlético por 1-0 – e Hélder Postiga também foi titular, embora substituído aos 67 minutos pelo espanhol Javi Lara.

Hegemonia

Com esta vitória, o ATK, como também é conhecido, conquista claramente a hegemonia – palavra que parece estar na moda – do futebol indiano. Os Tigres de Bengala mostram um apetite devorador. Explique-se, igualmente, que a Super League se joga em duas fases – primeiro em campeonato, todos contra todos, com jogos casa e fora, depois numa “final four” com meias-finais e final.

Na primeira fase, o Atlético ocupou o último lugar de apuramento, O treinador, José Francisco Molina, é espanhol, aliás como não poderia deixar de ser. O topo da sua carreira foi treinar o Villareal, em 2011/12, tendo passado recentemente pela China. Veio substituir outro espanhol, Antonio López Habas, que saiu esta época para o Pune City. 20 pontos em 14 jogos não foi excelente, convenhamos. Sobretudo pelo exagero de oito empates. Mas, sendo suficiente para o apuramento, deixou os homens de West Bengal na mesmíssima condição dos seus três adversários. Na primeira mão das meias-finais recebeu o Mumbai City, clube do uruguaio Diego Forlán e do indiano Sunil Chettri, que passou pela equipa B do Sporting e se afirmou como uma eterna promessa do futebol indiano, e venceu por 3-2, com todos os golos apontados na primeira parte. Na deslocação a Bombaim (agora diz-se Mumbai, por ser menos colonialista) empatou (0-0) e atingiu a sua segunda final – e segunda vitória.

Propriedade da Kolkata Games & Sports, um consórcio formado pelo antigo capitão da selecção indiana de críquete (o verdadeiro desporto nacional indiano), Sourav Ganguly – que é profundamente adorado pelos adeptos da região de Bengala –, pelos empresários Harshavardan Neotia e Sanjiv Goenka, e pelo inevitável Atlético de Madrid. O investimento inicial foi de mais de três milhões de dólares. O estádio, situado nos arredores da imensa Calcutá – antiga capital dos ingleses – em Bidhannagar, conhecida por Salt Lake City, o Rabindra Sarobar Stadium, tem capacidade, após a renovação, para cerca de 90 mil espectadores, algo de fantástico nos dias de hoje, mas não assim tão extraordinário quando se fala do segundo país mais populoso do mundo e de uma cidade que acolhe mais de 6 milhões de habitantes.

“Queremos que o críquete continue a ser tão popular como sempre foi”, disse uma vez Sourav Ganguly. “Mas acreditamos que podem coexistir dois desportos igualmente populares. Se a qualidade do futebol na Índia for boa, vamos conseguir atrair muita gente”. É esse o principal problema com a actual Indian Super League. Conseguir recrutar jogadores interessantes e que já não se arrastem propriamente em campo, como muitos dos que assinaram nos últimos tempos pelos clubes que a compõem. Numa altura em que a vizinha China investe milhões e milhões (e milhões!) no futebol, o jogo na Índia terá de se tornar inevitavelmente mais competitivo. A disputa de uma prova com estas características terá servido para acicatar rivalidades nacionais, mas também quebrou a aposta nas pequenas equipas regionais, que em Calcutá e Goa tinham adeptos muito ferrenhos.