Fala-se numa melhoria das economias familiares. Apercebe-se disso?
Não sei se as famílias têm mais rendimentos. Penso que há uma maior predisposição para o consumo.
Como caracterizaria o perfil das pessoas que hoje em dia pedem ajuda ao Banco Alimentar?
É a mesma de há uns anos. Há uma pobreza estrutural, que está mais ligada às baixas pensões de reforma e de deficiência. E, depois, existe também uma pobreza conjuntural, que está mais relacionada com a elevada taxa de desemprego e com o sobre-endividamento das famílias portuguesas.
O Banco Alimentar está com mais ou menos trabalho do que no início da crise?
Temos sempre o mesmo trabalho: angariar excedentes alimentares para os levar às famílias. Por isso tem sempre mais ou menos o mesmo volume de trabalho. Os pedidos das ajudas por parte das instituições não diminuíram. Acredito que, apesar de existirem alguns sinais de retoma, esses ainda não chegaram às famílias mais carenciadas.
Mas se existem indicadores que perspetivam uma melhoria das condições das famílias, como explica o facto de os pedidos de ajuda não diminuírem?
Essa retoma não chegou às famílias carenciadas. Acho que o que está a falhar neste momento é a máquina da economia em si, ainda não se pôs em marcha. Continuamos a ter muito desemprego, muitas pessoas deixaram de ter acesso ao subsídio de desemprego e continuam desempregadas, continuam sem ter um rendimento adequado para ter uma vida digna. Imensos idosos continuam com uma pensão muito baixa. A população mais pobre ainda não sentiu uma melhoria. A máquina da economia tem de começar a funcionar e todos os indicadores dizem que esta só avançou um pouco por via das exportações. Hoje em dia, não existem empresas que sejam geradoras de muitos postos de emprego.
Atribui então alguma responsabilidades às decisões políticas tomadas até aqui…
Não sei se este problema está de alguma forma relacionado com questões políticas, não tenho opinião sobre isso. Mas acho que tem mais a ver com o medo que se vive em Portugal e em toda a Europa. Nós estamos num momento de viragem do modelo económico. Mesmo que pareça que há uma perspetiva de retoma, há setores em que está tudo muito parado porque vive-se na expectativa em relação àquilo que vai acontecer no futuro. Existe hoje em dia uma ameaça muito grande na Europa: a ameaça da economia global.
Em que sentido?
Vivemos numa economia globalizada e, por isso, temos a concorrência de países que até há pouco tempo não eram uma concorrência real mas que, hoje em dia, são os nossos grandes concorrentes. Têm níveis de remuneração muito mais baixos. Esta concorrência antes não existia e deve ser agora encarada pela Europa como um desafio. A economia portuguesa e europeia alteraram-se radicalmente com a globalização.
Este é o pior lado da globalização?
Para a Europa, é um desafio acrescido. Muitas empresas europeias deslocalizaram a sua produção para outros locais onde os salários são muito mais baixos e os encargos sociais também, com o objetivo de reduzir os preços. Mas depois, existe também hoje em dia uma competição muito mais forte. Basta pensar no discurso do Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, em que defende que é necessário proteger a economia norte-americana. O que se passa é que a Europa está a ser ameaçada por economias de outros países, onde é tudo muito mais barato e os custos salariais são muito inferiores. Isso cria uma pressão sobre as empresas europeias, daí que eu diga que temos de começar a encarar este novo modelo económico, que acaba por afetar ainda mais as pessoas que têm empregos precários ou rendimentos menores.
Usando então a expressão de Donald Trump, é necessário proteger também a economia europeia e/ou portuguesa?
Não sei, acho que hoje em dia, com a Europa que concebemos, é impossível. Acredito na Europa, mas acho é que esta deve reencontrar o seu lugar no mundo. Não creio que esta seja uma questão de se proteger ou não, é preciso é reencontrar um lugar num mundo que mudou.
Falando em mudanças globais, qual o papel das redes sociais no mundo do voluntariado?
As redes sociais permitem divulgar ainda mais os projetos. Uma maior divulgação gera um maior conhecimento e, consequentemente, uma maior adesão por parte das pessoas que querem apoiar [certas causas]. As redes sociais são muito boas para fazer esse trabalho. Por exemplo, o site Bolsa do Voluntariado, que faz parte do universo do Banco Alimentar e da Entreajuda [associação de apoio a instituições de solidariedade social], tem uma página no Facebook com quase 100 mil ‘gostos’. Nessa página, todos os dias é dada visibilidade a instituições de solidariedade social e aos eventos e ações que são desenvolvidas neste setor.
Chegou a dizer que as redes sociais eram o maior inimigo dos desempregados. Arrepende-se do que disse?
Não me arrependo nada. É exatamente [como disse]. Muitas pessoas perdem tempo a navegar em sites, no Facebook e no Instagram. Uma coisa é montar um negócios ou utilizar as redes sociais para gerar o próprio emprego ou rendimento. Outra coisa é aquilo que acontece com muitas pessoas: ter a ilusão de que se está ocupada apenas porque se está agarrada ao computador, sem isso gerar qualquer valor. Não vale a pena retomar um assunto que já não existe.
Como encara o surgimento de organizações semelhante ao Banco Alimentar, como a Refood?
De uma forma muito positiva. Na caridade não se compete, é-se complementar. Quantas mais instituições puderem coexistir para resolver um problema – que neste caso é o dos excedentes alimentares e da destruição de muitos que se encontram em bom estado – melhor é.
O Banco Alimentar surgiu em Portugal há 25 anos. Que balanço faz?
Os 21 bancos alimentares existentes hoje em dia ajudam a alimentar 4% da população portuguesa. Mas tão importante quanto isso, são os milhares de voluntários que existem e aprendem a ser voluntários connosco. Não tenho dúvida de que o Banco Alimentar mudou o panorama do voluntariado em Portugal, tornando o voluntariado jovem mais regular, mas também o facto de ter sido possível recuperar milhares de toneladas de alimentos, que teriam como destino a destruição.