Há cada vez mais idosos e menos bebés em Portugal. A taxa de natalidade sofreu com a crise económica, com as medidas de austeridade e com a saída de imigrantes. O diagnóstico está mais do que feito e, nos últimos anos, a queda tem sido estrondosa: em 2011 nasceram em Portugal 96 856 crianças e no ano passado, apesar de uma ligeira melhoria, foram apenas 85 500 – menos 10 mil bebés no espaço de quatro anos.
Em 1980, a taxa bruta de natalidade era de 15,5 nados-vivos por cada mil habitantes. Em 2015, foi de apenas 8,3, com Portugal a atingir um mínimo histórico de 7,3 nos dois anos anteriores. Portugal é o segundo país europeu com a mais baixa taxa de natalidade, estando apenas ligeiramente melhor do que a Itália. Apesar de o cenário ser negro, há locais que destacam. Odivelas, um município que acaba de chegar à ‘maioridade’ celebrando 18 anos, é a autarquia com maior taxa de natalidade do país: 11,6 nados-vivos por cada mil habitantes. Fomos à procura do segredo.
O milagre da natalidade Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2014 havia 152.840 pessoas a viver em Odivelas, das quais 24.004 crianças até aos 14 anos de idade.
Nesse ano, nasceram no município 1747 bebés, o que em termos absolutos pode não ser muito, mas quando se tem em conta a dimensão da população é um balanço sem paralelo no país.
Hugo Martins, o presidente da câmara, explicou ao i que não são implementadas medidas de incentivo direto à natalidade naquele município. A lógica é outra: a autarquia favorece as famílias como um todo, ajudando tanto os mais velhos e como os mais novos.
“O Governo vai implementar a partir do próximo ano a oferta universal dos manuais do primeiro ciclo, o que nós fazemos há oito anos”, exemplifica o autarca. “Asseguramos três refeições diárias às crianças, o que muito poucos municípios fazem. Sou professor de matemática e dizia muitas vezes ‘para aprender é preciso um bom bife’”.
A medida surgiu depois de a autarquia ter detetado muitos casos de crianças que chegavam à escola sem tomar o pequeno-almoço e a única refeição que faziam durante o dia era o almoço na escola. Outra esfera de intervenção que resultou da experiência no dia a dia foi ajudar os avós a terem melhor qualidade de vida “Têm hoje um papel preponderante, muitas vezes são o suporte da estabilidade familiar. Temos políticas de envelhecimento ativo, que passam pelas meras caminhadas, a ginástica de manutenção, (…) Temos uma universidade para seniores”, explica Hugo Martins.
Uma política que se vê na rua Basta passear um pouco pelo concelho para perceber o cruzamento de gerações. Há idosos sentados no café a desfrutar da bica e dezenas de mães atrapalhadas com os carrinhos de bebé no meio de um centro comercial. Há espaços e atividades para todos, sem excluir qualquer geração.
Alunos da escola EB1/Jardim de Infância Quinta da Condessa, com quem o i esteve à conversa, mostraram como gostam de viver no concelho. Todos os alunos, com idades entres os 8 e 9 anos, disseram que Odivelas tem muitos “supermercados, espetáculos, exposições, espaços para fazer desporto”. É “um sítio feliz para se viver”, resumiu Gustavo, de oito anos.
Ao todo, a autarquia tem 219 equipamentos e espaços culturais. Todo o investimento feito na área cultural, saúde, educação, bem como todas as políticas sociais em curso são, para Hugo Martins, os aspetos mais importantes para cativar os habitantes.
Mas há mais: “Somos uma autarquia que aplica um dos menores Impostos Municipais sobre Imóveis (IMI) de Lisboa, além disso há um desconto às famílias com mais de dois filhos. Isto gera confiança entre os cidadãos e o município”, continua Hugo Martins, a quem não faltam argumentos. “Somos talvez o concelho com melhores acessos da Área Metropolitana de Lisboa. Tudo isto proporciona bem-estar e qualidade de vida.”
O investimento não se mede só qualitativamente, é também financeiro, o que o autarca coloca ainda assim em segundo plano. “Todos os anos despendemos cerca de 300 mil euros nos manuais e recursos pedagógicos. Investimos nas três refeições diárias nas escolas (pequeno-almoço, almoço e lanche) cerca de um milhão e meio de euros. Não são custos: estamos a investir nas famílias, nas crianças, para criarmos condições de conforto e segurança”.
O município com menos bebés Se existe sempre alguém no topo, é preciso falar também do fundo da tabela.
O concelho de Penamacor é o município com menor taxa de natalidade no país, chegando apenas aos 2,7 bebés por cada mil habitantes. Segundo os dados do INE também relativos a 2014, Penamacor tinha então 5.203 residentes e, destes, apenas 369 tinham menos de 14 anos de idade.
O Instituto Nacional de Estatística revela que, naquele ano, foram registados nesta autarquia apenas 16 nascimentos – 10 meninos e seis meninas.
Questionado pelo i sobre as medidas de incentivo à natalidade em vigor no município, Joaquim Nabais, do gabinete de comunicação da autarquia, explicou que não atribuem incentivos diretos à natalidade, ou seja não há prestações ou subsídios pontuais por cada nascimento, “porque não acreditam na eficácia desse tipo de medidas”.
Em contrapartida, o município comparticipa as mensalidades das creches e infantário de todas as crianças, sem exceção, assim como apoia as famílias na compra de material pedagógico e didático, assim como o material de desgaste nos jardins-de-infância e pré-escolar.
Os apoios estendem-se ainda às AAAF – Atividades de Animação e Apoio à Família, custeadas integralmente pelo município; à comparticipação total ou parcial, conforme os rendimentos, das refeições escolares e à disponibilização gratuita dos manuais escolares para todos os níveis de ensino, acrescentou o porta-voz da câmara.
Com tantos apoios em marcha, onde estará a diferença? Segundo dados disponibilizados pelo INE, é possível perceber que Penamacor tinha, em 2014, apenas cinco bens imóveis culturais e dois museus em atividade.
Em relação à oferta de saúde, o município regista 2,9 enfermeiros para cada 1000 habitantes e 1,3 médicos. O que é a prova de que o Interior precisa de muito mais do que apoios diretos às famílias para resolver o dilema da natalidade. “São situações que municípios como Penamacor não têm, só por si, condições de inverter. Só através da combinação de políticas nacionais inteligentes, determinadas e corajosas com políticas locais clarividentes será possível alterar o estado de coisas”, refere Joaquim Nabais.
Orçamento pró-natalidade Se a política tem de andar de mãos dadas com o crescimento da população, os partidos continuam a divergir. Em julho, a maioria de esquerda chumbou os nove projetos de lei do CDS-PP dedicados à natalidade. Em causa estavam iniciativas para o alargamento do gozo da licença parental complementar e da licença para assistência a filho aos avós; o aumento da licença parental exclusiva do pai; o aumento da duração da licença parental inicial a partir do terceiro filho e a criação de uma licença parental pré-natal.
Meses depois, durante o debate sobre o Orçamento do Estado para 2017 e na discussão das medidas relacionadas com a aplicação de impostos, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua afirmou na Assembleia da República que “ajudaria mais a natalidade aumentar o salário mínimo nacional e combater a precariedade em vez de criar uma regra fiscal em que o filho de uma família rica vale mais do que um filho de uma família pobre”.
Nesse mesmo debate, João Galamba (PS) afirmou que “se há coisa que este orçamento [para 2017] tem é política de promoção da natalidade”. Em causa estão, segundo o deputado, medidas como o alargamento do abono de família, o combate è precariedade, a generalização da gratuitidade dos manuais escolares no primeiro ciclo, o aumento do salário mínimo e a inclusão das refeições na escola pública nas deduções de educação do IRS. Resta saber se vão funcionar.