O Santuário do Cabo Espichel foi, até novembro, um dos locais onde os peregrinos podiam ganhar o Jubileu – no rito católico, obter o perdão pleno. Esta semana, surgiu na lista de trinta imóveis que o Estado vai concessionar a privados ao abrigo do programa Revive e que pode, portanto, tornar-se num complexo turístico. Como vê a Igreja esta possibilidade? «Com muito gosto», resume o bispo de Setúbal, D. José Ornelas Carvalho.
A resposta pode surpreender, mas tem uma explicação. Não é a primeira vez que se pensa na reabilitação do complexo, mas o processo tem sido sucessivamente adiado. Agora, poderá mesmo avançar.
«É algo que já vem sendo tratado há mais de 18 anos», explicou o responsável diocesano ao SOL. «Nessa altura, foi feito um acordo com o Governo. Cedemos a ala norte do enquadramento do santuário [conhecida como ala dos círios, ou seja, dos peregrinos] e o Estado comprometeu-se a restaurar todo o conjunto. Ficou assente que seria ali instalada uma pousada ou algo do género, que daria para sustentar tudo aquilo». Entretanto, a igreja foi recuperada mas as alas ficaram ao abandono. Por isso, D. José Ornelas Carvalho diz que esta oportunidade é «muito conveniente. Estamos muito interessados nas perspetivas que se abrem», garantiu.
Encontrar novos caminhos
O único senão ao entusiasmo com que a diocese acolhe a concessão prende-se com o tipo de projeto a instalar no local, mas o bispo mostra-se confiante. «Achamos que é possível entrarem privados sem descaracterizar a vocação. É um desafio que se propõe a todos. Há muita gente capaz de apresentar projetos de turismo cultural, sério, onde o espaço não fique simplesmente à mercê de um signo de lucro».
Para o bispo, em última instância, o fundamental «é evitar a vandalização e a deterioração do património cultural». D. José Ornelas também considera que, no caso do santuário do Cabo Espichel, o facto de o espaço poder vir a ser um hotel é, em certa medida, uma forma de invocar o passado. «O próprio santuário era uma hospedaria para os peregrinos. Há que recuperar essa vocação, apesar de os peregrinos de hoje chegarem de carro. Se acolhermos bem as pessoas, com conforto, este é um local com um contexto natural especial. O santuário é um apelo a observar a natureza e o mundo de outro modo. Gostaria que isto não se perdesse e é isto que me move a procurar soluções», explica.
Para o responsável, o santuário não é o único espaço a precisar de uma nova vida, pelo que acredita que o programa Revive – uma iniciativa dos ministérios das Finanças, Cultura e Economia – chega em boa hora. «Nem a Igreja nem o Estado podem fazer tudo, e não é por um amor a pedras que quero defender o património. Quero fazê-lo como ser humano e pessoa que se sente fascinada pela nossa cultura e que lhe quer dar um rosto que possa ser traduzido para a nossa sociedade de hoje e nos permita redescobrir o valor precioso da nossa identidade».
Uma redescoberta que, apela D. José Ornelas, exige responsabilidade. «Não quero perverter isto [as concessões] numa comercialização do património para pô-lo ao serviço de hotéis, mas cabe todos nós, com responsabilidade e sem preconceitos, encontrar novos caminhos».
A fazer reviver edifícios desde 2016
O programa Revive pretende abrir o «património ao investimento privado para desenvolvimento de projetos turísticos». O Estado – que quer, com este programa, transformar os monumentos em «ativos económicos» – vai financiar os projetos até um teto de 150 milhões de euros.
Para cada imóvel será lançado um concurso individual «em que são definidas as condições específicas em função do espaço», explicou fonte oficial da secretaria de estado do Turismo. «Cada imóvel é um edifício único e, nessa medida, é necessário um caderno de encargos específico e individualizado, que garanta a salvaguarda patrimonial, a memória histórica e o usufruto público de cada um dos edifícios», descreveu ao i a tutela. «Compete à Direção Geral do Património acompanhar a criação do caderno de encargos e todo o processo».
A cedência dos monumentos será por períodos de 30 a 50 anos. No final, os contratos podem ser renovados ou o Estado recupera a gestão. Por agora, apenas o Convento de São Paulo, em Elvas, foi concessionado. Dará lugar a unidade hoteleira de quatro estrelas do grupo Vila Galé, que vai explorar o espaço durante 40 anos.