Olhar para 2017, depois de um ano como 2016, faz lembrar a brincadeira do copo meio cheio ou meio vazio. Fazendo um balanço e lembrando os eventos mais significativos, desde o Brexit, ao terrorismo, à crise migratória, à guerra na Síria, ou mais recente à eleição de Donald Trump e à demissão de Renzi na Itália, compreende-se que a grande maioria veja o copo meio vazio.
Da esquerda à direita, a globalização tornou-se na fonte de todos os males, principalmente junto das camadas mais jovens, sedentas de um sentido de pertença, profundamente revoltadas com a ausência de oportunidades e descrentes na capacidade e ética dos poderes instituídos.
Assistimos novamente à ascensão do nacionalismo e do fundamentalismo religioso, que capitalizam não apenas o medo como a falta de identidade. Todos os resultados denunciam a necessidade de se olhar mais para dentro e menos para fora. Há quem fale em nacionalismo responsável, há quem fale em revolução democrática, em comum, uma nova corrente autoritária que admira em silêncio Trump, lado a lado com outras figuras à primeira vista incompatíveis, como Putin, Erdogan, Le Pen, ou mesmo Orban. Tudo irrelevante não fosse o nosso mundo construído sobre equilíbrios internacionais pós-segunda guerra, que dependem do apoio de alguns destes Estados a certas estruturas, como a NATO, já considerada obsoleta por Trump, ou mesmo o Tribunal Penal Internacional, de onde a Rússia acabou de retirar-se.
A ONU, por sua vez, perante um ocidente em silêncio face à maior crise humanitária de todos os tempos, luta por reabilitar o seu papel de guardiã da paz e da segurança no mundo. Já a União Europeia, desafiada por um fluxo migratório sem precedentes, faz tábua rasa dos seus valores fundacionais e adota políticas que desafiam o conceito de humanismo.
Na Europa o calendário eleitoral que se avizinha é crucial, explorando-se à exaustão e de forma extremada os temas da crise económica e da migração. Perante os resultados do referendo em Itália, as sondagens em França e os últimos ataques terroristas na Alemanha, acredito que Bruxelas permitirá uma maior flexibilização das metas financeiras, por um lado, dificilmente comportáveis com verdadeiras reformas estruturais, e, por outro, assistiremos a um endurecer do discurso securitário que perigosamente colocará lado a lado terrorismo e migração. Centro direita e centro esquerda, em clara contra-corrente, terão de reabilitar os seus discursos e aproximar-se das pessoas, gerindo tanto a verdade como a percepção, o que coloca a imprensa no centro do debate.
Em suma, olhando para o futuro e voltando à imagem do copo, reconhecendo que a grande maioria tenderá a vê-lo meio vazio, para mim, curiosamente, está meio cheio. Contrariando as tendências populistas, Merkel e Fillon podem garantir a estabilidade do bloco central europeu e demonstrar que a União Europeia pode ser parte da solução. É possível que o Brexit venha a ter menos impacto e até servir de alavanca à Europa para uma redefinição da sua identidade. A presidência americana, empurrada pelo rolo compressor da realpolitik, poderá ficar aquém do cataclismo que muitos anteveem, tendo de positivo a demonstração das falências do populismo e um sério repensar de estruturas ‘sacralizadas’ como a NATO. Quanto às Nações Unidas, cujas críticas ficam sempre aquém das suas virtualidades, não tenho dúvidas de que a entrada de António Guterres reabilitará a sua essência enquanto consciência do mundo.
O mundo não está pior, está simplesmente diferente.
Investigadora Universitária e Dirigente Nacional do CDS-PP