No início desta semana, os pais de Angélico Vieira, juntamente com o Fundo de Garantia Automóvel, foram condenados a pagar uma indemnização de dois milhões de euros a Armanda Leite, a jovem de 22 anos que ficou com sequelas física e mentais graves na sequência do acidente que vitimou o cantor, em junho de 2011. Os pais de Angélico anunciaram que vão recorrer da decisão. Será este um valor normal na justiça portuguesa?
Dos dois milhões, 1,5 milhões de euros correspondem aos danos físicos sofridos pela jovem, enquanto os restantes 500 mil euros foram calculados tendo em conta as adaptações que os pais de Armanda terão de fazer na sua habitação e a aquisição de diversos materiais, explica o “Jornal de Notícias”.
Analisando apenas as indemnizações ligadas a acidentes de viação, os dados do Fundo de Garantia Automóvel (FGA) dão algumas pistas. Nos primeiros seis meses do ano passado, o FGA pagou 7,1 milhões de euros em indemnizações, um valor 3% superior ao período homólogo do ano anterior. Em 2015 foram pagos 12,3 milhões de euros em indemnizações; em 2014, 15,5 milhões de euros; e em 2013, 15 milhões de euros.
A indemnização a que foi condenada a família de Angélico Vieira corresponderia assim a 16% da despesa anual do Fundo de Garantia Automóvel. O i tentou perceber junto da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões se esta é a indemnização mais elevada de sempre, mas a entidade pública não respondeu, informando que não discrimina valores.
Advogados ouvidos pelo i não têm dúvidas: é uma indemnização bastante elevada para aquilo que é a jurisprudência corrente nos tribunais portugueses. “Este é um valor alto. O que se passa é que estamos habituados a valores muito baixos, mas a jurisprudência já está a mudar, estamos a começar a perceber que temos de ser audazes no valor” estipulado nas indemnizações, explicou Teresa Peixoto, sócia e fundadora da RP&Associados.
As indemnizações pagas por questões que envolvem a morte de alguém podem ser bastante mais baixas do que o valor decretado pelo Tribunal de Aveiro: “Em diversas ocasiões, em caso de morte e não de mera incapacidade, os tribunais não vão muito além dos 250 mil euros”, revelou ao i Filipa Duarte Gonçalves, advogada do departamento de contencioso da Miranda & Associados.
Avaliação
Excetuando as indemnizações por violações contratuais em certos setores, como a construção civil, as condenações de maior valor ocorrem no âmbito de acidentes de viação. Nestes casos costumam ser avaliados os danos patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros dizem respeito ao prejuízo causado nos bens do lesado, e os segundos a prejuízos de caráter pessoal e subjetivo, aspetos que não podem ser suscetíveis de uma avaliação monetária. Estes últimos compreendem o quantum doloris (escala que tenta quantificar a dor física e psíquica causada pelo acidente e as consequências inerentes), o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal.
“Se uma pessoa tiver um problema que condicione a sua capacidade de ganho, se ficar muito condicionada na procura de trabalho, são feitas várias contas, consoante a idade da pessoa. Se, por exemplo, tem de alterar a sua habitação – pode ter de passar de um apartamento para uma moradia ou ter de fazer obras no interior da casa para se poder movimentar –, tudo isso são danos não patrimoniais e são estes aspetos que fazem ascender o valor monetário”, explicou Teresa Peixoto.
A ideia é reforçada por Filipa Duarte Gonçalves: “Na fixação da indemnização, o tribunal deve considerar a idade do lesado, bem como a situação profissional em concreto do mesmo até à sua reforma; ou seja, quanto mais jovem for, mais elevada será a indemnização, pois o cálculo da mesma incluirá uma expetativa maior de tempo de exercício da atividade profissional que tem de ser compensada, dada a incapacidade para a mesma em resultado do acidente.”
Outros Casos
Se compararmos com casos anteriores na mesma área ou com situações diferentes em que os lesados tiveram direito a indemnização, percebemos que este é um dos valores mais elevados estipulados em Portugal. Recorde-se o caso dos seis doentes do Hospital de Santa Maria que, em 2009, ficaram sem visão na sequência de uma operação aos olhos: o valor mais alto foi de 246 mil euros, a maior indemnização de sempre em casos de erro médico e decidida fora do sistema judicial.
Casos mais recentes mostram que até os autores de homicídios pagam indemnizações menores aos familiares das vítimas. No passado mês de dezembro, um homem e uma mulher foram condenados a 20 e 25 anos de prisão, respetivamente, pelos crimes de homicídio qualificado, profanação e ocultação de cadáver de um adolescente de 14 anos, em Chaves. O coletivo de juízes do Tribunal de Vila Real condenou os arguidos a pagar uma indemnização de 122 mil euros aos familiares da vítima.
Uns dias antes, um homem foi condenado a 17 anos de prisão por matar um colega de trabalho à facada. O Tribunal de São João Novo, no Porto, decretou que o indivíduo teria de pagar uma indemnização de 310 mil euros à mulher da vítima, de 49 anos, e aos dois filhos.