A decisão inédita pelo abandono do Reino Unido da União Europeia – cravada na pedra no dia 23 de junho de 2016, após 51,9% dos participantes no referendo terem dito “sim” ao Brexit – continua a fazer baixas nas fileiras ligadas à liderança britânica. David Cameron e George Osborne foram, claro, as primeiras, e mais óbvias, figuras políticas de renome a colocar o lugar à disposição, após conhecido o desfecho da votação. Depois daqueles, outros funcionários-chave do Estado britânico, que trabalham longe dos holofotes, afastaram-se.
Nenhuma das saídas deste último grupo causou, ainda assim, tanto impacto como a demissão, na passada terça-feira, de Sir Ivan Rogers do cargo de embaixador do Reino Unido na Representação Permanente em Bruxelas. Visto no país com um dos mais experientes e prestigiados diplomatas britânicos, Rogers bateu com a porta a cerca de dois meses do final do prazo definido pela primeira-ministra Theresa May, para o Reino Unido formalizar a sua intenção de abandonar a União. Se o timing da saída indicia, só por si, que algo não vai bem para os lados de Downing Street, o conteúdo da carta de despedida do diplomata, divulgada esta quarta-feira pela BBC, confirma a descrença de um homem do Estado, plenamente envolvido com o espaço onde decorre a ação, no executivo de May.
“Espero que continuem a desafiar os argumentos sem fundamento e o pensamento confuso, e que nunca tenham medo de dizer a verdade aos que estão no poder”, pediu Sir Rogers aos funcionários da Representação Permanente, justificando a demissão com o facto de o seu mandato acabar a meio do processo de saída, e apelando ainda à união, nos “momentos difíceis em que terão de transmitir mensagens que desagradáveis para quem precisa de as ouvir”.
Às indiretas lançadas por Rogers a quem lidera o processo de saída, somam-se algumas críticas, mais ou menos perceptíveis, que sustentam a desconfiança do diplomata sobre a estratégia (ou falta dela) do executivo. Uma delas teve que ver com a confissão de que a Representação Permanente “ainda não sabe quais vão ser os objetivos de negociação, definidos pelo governo, para a relação entre Reino Unido e a UE, após a saída”. Uma outra, tem que ver com alegada intransigência dos ministros britânicos, em perceberem que, para além daquilo que o Reino Unido pretende para o futuro, estão também em jogo “ideias, interesses e incentivos dos restantes 27 Estados-membros”, particularmente no que respeita o acesso britânico ao Mercado Único. “[O acesso] depende de acordos multilaterais, plurilaterais e bilaterais”, escreve Rogers. “Contrariamente às crenças de alguns, não acontece simplesmente”, ironizou.
Procura-se pró-“Brexiteer”
A demissão de Sir Ivan Rogers – escolhido para o cargo em 2013, pela mão de Cameron – contribuiu para acentuar as críticas entre aqueles que sempre deram a cara pelo Brexit. Nigel Farage, ex- líder do partido de extrema-direita britânico, UKIP, citou o exemplo da “revolução política” bem-sucedida, que está a ser levada a cabo por Donald Trump, nos EUA, e, em declarações à rádio LBC, defendeu a necessidade de se substituirem os detentores de cargos públicos que não defendem o Brexit.
Peter Lilleu, um conservador pró-saída, partilha da mesma visão. Aos microfones da BBC, acusou os “eurocratas” em funções de estarem a tentar “negociar o regresso” do país à União, em vez de se “comprometerem em tirá-lo de lá”. “Se Sir Ivan Rogers fazia parte do primeiro grupo, ainda bem que se foi embora”, defendeu.
Theresa May estará agora a ser pressionada, pelos seus conselheiros mais próximos, a apontar para o lugar de Rogers um verdadeiro “Brexiteer”, se quiser cumprir a promessa de accionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, em março. A BBC está a adiantar o nome de Tim Barrow, antigo embaixador em Moscovo.