O que faz uma banda que conheceu o êxito global logo ao primeiro trabalho e o viu confirmado ao segundo, quando se chega a vez do terceiro álbum? Como se mergulha no processo criativo com este peso sobre as costas? Mais ainda, se, como no caso dos The XX, desde o primeiro trabalho ficou claro que a banda sabia perfeitamente de onde vinha e para onde queria ir. Que caminho traçar a partir daí?
“I See You” cujo lançamento mundial acontece hoje – mas que ontem já esteve disponível, em formato de vídeos disponibilizados pela banda nas suas próprias plataformas digitais – é então a árdua tarefa de suceder a “XX” (2009) e “Coexist” (2012), álbuns que fizeram dos XX, mais do que uma banda, uma espécie de culto dos tempos modernos. Mas deixa claro que as dúvidas estavam mais do lado de cá do que do lado do trio inglês Romy Madley Croft (guitarra e voz), Oliver Sim (baixo e voz) e Jamie Smith (programação e ritmos).
“I See You” revela-se como um álbum sem preocupações. De uma banda que parece querer dizer que sabe que as expectativas em seu redor existem. Mas que não quer saber. No entanto, poucas serão as bandas que, assumindo esta decisão, conseguem um produto final que nada os trai na sua essência.
Sim, “I See You” é diferente de “XX” e “Coexist”, mas em nenhum momento sobra espaço para dúvidas de que são os XX que aqui estão. A identidade do trio permanece intocável. Há a melancolia que os caracteriza, mas que aqui passa a pano de fundo, ultrapassada que é por um certo otimismo delicodoce. As próprias letras denunciam um caminho que se afastou da tristeza, da ausência ou da desilusão. Há, bem pelo contrário, uma ideia de ilusão, de esperança. De luz. Aliás, a própria banda, que já está confirmada para tocar no festival NOS Alive, a 6 de julho, assumiu que em “I See You” procuraram deixar entrar a luz. “Este álbum é mais aberto e expansivo”, explicou Jamie.
“I See You”, produzido por Jamie e por Rodaidh McDonald e gravado entre março de 2014 e agosto de 2016, em locais tão diversos como Nova Iorque, Texas, Reykjavik, Los Angeles e Londres, demonstra a confiança de uma banda que conheceu o sucesso mundial, e que correu palcos graças a esse sucesso. Mas apesar do caráter inesperado desse sucesso, o trio inglês aprendeu com ele. Aprendeu a dominar uma plateia, seja nas mais pequenas salas ou nos maiores festivais. E trouxe essa aprendizagem para este álbum. Um álbum que mostra que o trio aprendeu também com as experiências a solo de Jamie – que por estes anos lançou “We’re New Here” com Gil-Scott Heron (2011) e “In Colour” (2015), e que, talvez por isso, vem recheado de grandes canções. Daquelas que refletem a vontade (necessidade?) de uma banda de se abrir para aqueles que os ouvem. Tal como eles são.
O espelho dos Velvet Underground
Foi em novembro que foi dado a conhecer o primeiro álbum, “On Hold”. Já no primeiro dia deste novo ano foi divulgado o segundo single, “Say Something Loving”. E logo aí se denunciavam novas nuances. A tal luminosidade que acaba por se revelar transversal às dez faixas que compõem “I See You”.
Antes, e tal como no passado, Romy, Oliver e Jamie foram divulgando as canções que ouviram durante o processo de gravação deste novo trabalho. E nessa lista constavam bandas tão distintas como Beach Boys, Walker Brothers, James Blake, Bowie, Avalanches, Portishead, Prefab Sprout, Antony, Mazzy Star, Kelela, Arca, Rihanna, Solange, Frank Ocean, Suicide, Drake.
Pelo meio, o tema “I’ll Be Your Mirror”, dos Velvet Underground, que se revelou basilar na conceção quer do título do álbum – “please put down your hands ‘Cause I see you”, ouve-se na voz de Nico – quer da sua capa. O tema, explicou Romy numa entrevista ao “Público”, era uma das favoritas do pai e, segundo a voz feminina dos XX, “condensa o que tentámos fazer com este álbum, trabalhando essa ideia de que um amigo ou amante pode ser um espelho de nós próprios, dando-nos a ver coisas que temos dificuldade em vislumbrar ou, noutras situações, nos recusamos a ver.” Em “I See You” não só Romy, Oliver e Jamie parecem dizer que se veem uns aos outros, como que veem e querem ser vistos. Aliás, não eles, mas a música que fazem. Generosamente inundada por luz.