A construção civil viveu em 2016 mais um ano de desespero. A esperança dos empresários era de que o setor começasse a melhorar, mas, em vez disso, o ano passado ficou marcado por mais uma queda, a nona consecutiva. A estimativa aponta para que, em 2016, em volume, a produção seja inferior a 45% da produção do ano de 2001, aquando do auge da atividade. Pior: pelas contas feitas pelos empresários do setor, melhorias só em 2018.
Até porque se levantam várias questões. Não há obras, nem dinheiro. Além disso, o que vinha servir de balão de oxigénio às empresas eram os mercados alternativos a Portugal, nomeadamente, Angola. Agora, resta arranjar alternativas, mas o setor alerta para o facto de ser um processo que leva tempo e que exige capacidade financeira.
A crise que pesa nas contas das empresas nacionais é de tal forma grave que levou mesmo António Mota, patrão da Mota-Engil, a considerar que pior é impossível: «O setor não existe, acabou. Não há obras em Portugal».
A agravar o cenário está o facto de, em 2015, já se considerar que falávamos do pior ano desde a entrada da troika. O alerta foi dado no início do ano passado pela Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), que garantia que os dados falavam por si: as promoções de concursos de obras públicas caíram 22% face a 2011 e o volume de contratos celebrados registou uma quebra de 35% em relação a 2014.
As dificuldades têm-se acentuado, aliás, de ano para ano. Se recuarmos até 2002, estavam nesta atividade 618 mil pessoas, um número que foi caindo desde então. No terceiro trimestre de 2015 havia apenas 276 mil trabalhadores no setor.
Fecho de empresas
Analisando o período entre 2007 e 2014, o total de pessoas a trabalhar na construção caiu de 527 mil para 276 mil, o que significa que, em apenas seis anos, o setor da construção ficou quase sem metade dos postos de trabalho que tinha.
Esta evolução reflete o impacto e a persistência da crise neste setor. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, o ano mais crítico dos últimos seis foi o de 2012, com uma queda de 15,5% no total do emprego nesta área. Mas este é apenas um dos vários sintomas. Lado a lado com a quebra no emprego está o desaparecimento de 45 mil empresas entre 2008 e 2013.
Recorde-se que, até aos dias de hoje, muitas empresas escapam ao mediatismo por serem de dimensão mais reduzida, mas mesmo dentro das maiores empresas de construção, como o caso da Soares da Costa – que fez um despedimento coletivo e invocou o estatuto de empresa em reestruturação – não é inédito. Em outubro de 2015, também a Somague anunciou que iria despedir cerca de 273 trabalhadores no âmbito de um processo de reestruturação, igualmente motivado pela retração em Angola, Moçambique e Brasil.
Mercado externo em queda
Com o mercado interno parado, muitas empresas apostaram no mercado externo, mas confrontam-se agora com instabilidade nos destinos onde apostaram.
Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas (FEPICOP), explica que a situação em Angola e Brasil não pode ser esquecida. «Numa altura em que havia menos trabalho em Portugal, as empresas começaram a internacionalizar-se. Em 2011, as empresas portuguesas tinham grande parte da sua atividade concentrada em Angola. Muitas foram também para África e América Latina. Mas são todos países onde a economia depende muito das matérias-primas e dos seus valores».
O mercado angolano sempre foi uma grande aposta para o setor da construção civil. Mas com a crise a fazer-se sentir neste país, a realidade mudou. Grande parte dos trabalhadores que perderam o posto de trabalho pertenciam ao setor da construção. E, em parte, foram as dificuldades de Luanda em fazer pagamentos que estiveram na origem deste corte na força laboral.
O Brasil também foi um dos países para onde as empresas portuguesas viraram as suas atenções quando o trabalho começou a faltar em Portugal. Mas, também neste mercado, a situação começou a agravar-se. Também a Venezuela e Moçambique foram palco de uma mudança de cenário para aqueles que, em tempos, tinham visto nestes países uma solução.
O peso de Angola
A crise económica angolana tem vindo a dificultar o negócio das construtoras portuguesas e acaba por penalizar as contas das empresas e, muitas delas, continuam no mercado, mas trata-se de uma presença «quase simbólica». Um cenário que contrasta com a realidade vivida há uns anos atrás quando chegavam a faturar quase dois mil milhões de euros.
A construção é um dos setores que está a ser mais penalizado em Angola devido à descida do preço do petróleo e consequente quebra nas receitas do Estado, o que originaram um conjunto de medidas de austeridade, entre as quais a suspensão ou anulação de diversos investimentos públicos, nomeadamente na área da construção civil.
Face a estes problemas financeiros, o governo angolano chegou mesmo a ver-se obrigado a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em maio do ano passado, uma das maiores preocupações eram os salários em atraso da maioria dos trabalhadores que estavam em Angola. De acordo com Albano Ribeiro, Presidente do Sindicato da Construção de Portugal, só cerca de 10% dos trabalhadores do setor estavam a receber a horas. Já os restantes chegaram a ter «um, dois, três, quatro ou cinco meses de atraso», o que chegou a levar «a situações dramáticas do ponto de vista humano».
De acordo com a AICCOPN, Angola foi responsável por 2,1 mil milhões dos 10,4 mil milhões de euros das exportações do setor em 2014, acabando por penalizar este mercado. Também Moçambique começou, entretanto, a evoluir a um ritmo abaixo do previsto e o Brasil a revelar-se «muito complicado».
Falta de investimento
Também a falta de investimento público tem sido um problema para todos os que sempre apostaram nesta área. E é um dos fatores apontados como um dos principais culpados da estrangulação do setor. Até porque falamos de níveis tão baixos que apenas podem ser comparados com o que era praticado há 30 anos.
As últimas contas apontam para um investimento na ordem dos 13,1 mil milhões de euros e, para encontrar valores mais baixos do que este, só recuando a anos anteriores a 1986. Perante os dados, Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção e Obras Públicas (AICCOPN), diz que estamos perante um «retrocesso inaceitável e que tem de ser revertido».
Mais, a situação tem merecido vários alertas da OCDE, já que, nas últimas três décadas, o produto interno bruto (PIB) português cresceu quase 70%, mas com o investimento «estagnado». Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Portugal está entre os três países onde o investimento tem menos peso no PIB. Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da federação da construção, começou 2017 com a perceção de que «as obras que estão a ser concursadas agora só darão lugar a adjudicações daqui por um ano. Por isso, contamos que o motor do crescimento resulte da dinâmica da construção de edifícios, residenciais e não só».
Mais, de acordo com o responsável, «em 2016 foram lançados concursos públicos no valor de 1,640 mil milhões de euros, mas os contratos celebrados totalizam 702 milhões apenas. Podia dizer-se que era conjuntural e que esta disparidade seria diminuída ou anulada este ano, mas a verdade é que, só desde 2011, temos 4,9 mil milhões de euros acumulados de diferencial entre os concursos promovidos e os adjudicados».