O país onde o sol nasce e para onde os jesuítas levaram Deus e a tempura

A chegada dos missionários jesuítas portugueses ao Japão provocou uma espécie de revolução ao nível de costumes e da fé. Foi uma das missões ultramarinas da Companhia em que houve, num curto espaço de tempo, um maior número de conversões. E as marcas ficaram na história, desde a língua à culinária.

A presença dos missionários jesuítas portugueses durou cerca de cinquenta anos e foi duramente reprimida pelas autoridades, mas mesmo apenas meio século serviu para deixar marcas que ainda hoje são visíveis – por exemplo, na linguagem e na gastronomia (ver coluna ao lado).

Os portugueses chegaram ao Japão por volta de 1542-43 e foram os primeiros a estabelecer um fluxo comercial contínuo e direto. Mas a sua chegada levou a uma série de transformações sócio políticas que ocorreram em massa e muito rapidamente, algo que ainda hoje espanta os historiadores. E nisso os missionários jesuítas tiveram um peso determinante.

No século XVI, os japoneses seguiam duas correntes de pensamento religioso: uma era o Budismo, importado da China, a outra (e religião nacional) era o Xintuísmo, que se baseia na veneração da natureza e dos antepassados.

O Cristianismo foi rapidamente absorvido pelas classes políticas e militares e o número de conversões – como é percetível no filme de Scorsese – escalou rapidamente. As bases da missão nipónica foram lançadas por S. Francisco Xavier, que chega ao Japão em 1948. Os números disparam: em 1590, já havia cerca de 200.000 fiéis e 142 religiosos (quais 71 eram irmãos japoneses).

A hostilidade do poder político torna-se cada vez mais acentuada e, em 1597, dá-se o Martírio de Nagasáqui – em que 26 cristãos, portugueses e japoneses, foram publicamente crucificados – por ordem de Toyotomi Hideyoshi.

Em 1614, no dia 27 de Janeiro, são expulsos todos os eclesiásticos e proibido o culto cristão. E começam as perseguições ao clero com o objetivo de erradicar o Cristianismo do país.

Antes da violência física contra os cristãos, as autoridades nipónicas procuraram vergar os religiosos, que torturavam até cometer apostasia, ou seja, renegar Deus publicamente. Pensa-se que muitos o terão feito para salvar vidas.

Durante o período Edo (correspondente a Xogunato Tokugawa) os jesuítas são expulsos definitivamente, em 1639. O Cristianismo passa então à clandestinidade – é deste período, aliás, que trata o filme de Martin Scorsese.

No entanto, nunca deixou de haver Cristianismo no Japão. A clandestinidade durou até à segunda metade do século XIX, altura em que o império japonês se reabre ao Ocidente. Curiosamente, a maior comunidade católica do país subsiste exatamente no mesmo local do martírio de 1597: Nagasáqui.

Da culinária à arte, passando pela medicina, é possível descortinar a presença portuguesa no Japão e vice-versa.

Aqui ficam alguns exemplos:

Koppu soa-lhe familiar?

A grafia claro que não é a ocidental, mas os japoneses ainda hoje usam algumas palavras japonesas de origem portuguesa. Estima-se que durante a fase de maior presença lusa tenham chegado a ser usadas pelos japoneses mais de quatro mil palavras portuguesas. Kandeya (candeia), kirishitan (cristão), koppu (copo), kapitan (capitão), pan (pão) e kappa (capa) são apenas alguns exemplos que subsistiram até hoje.

Palavras portuguesas de origem japonesa

Também a língua portuguesa ficou mais rica após os contactos luso-nipónicas: adotámos, por exemplo, as palavras biombo e catana.

Culinária: do pão de ló à tempura

Bem sabemos que, no século XXI, nos havíamos de viciar em sushi – mal sabiam os nossos antepassados que deveriam ter importado esta moda há 500 anos. Podemos não ter adotado nenhum prato japonês, mas o contrário aconteceu. E consta que a tempura – forma de fritar vegetais ou outros alimentos envoltos num polme – foi uma herança deixada pelos jesuítas, já que no século XVI os católicos não comiam carne nos dias de têmporas, que correspondiam a três dias de jejum semanal em cada uma das estações do ano. Nessa altura, os portugueses no Japão comiam peixes e vegetais panados no tal polme enquanto os japoneses os comiam crus. Os novos católicos japoneses começaram a seguir esse hábito. E é assim que, provavelmente, dos períodos de têmporas terá surgido a conhecida à escala mundial tempura. Há ainda um doce popular por todo o Japão, conhecido por “castella” ou “katusera” que é… uma versão do pão de ló.

A arte dos “bárbaros do sul”

A chegada dos portugueses trouxe mudanças também na arte. Influenciados pelas trocas comerciais, os japoneses denominam a corrente de arte nanban, que vem do japonês “Naban-jin”, ou “bárbaros do sul”, uma alcunha com que os europeus foram batizados. As composições escolhidas representam as trocas comerciais, os navegadores e as ordens missionárias do clero.

O Museu Nacional de Arte Antiga possuiu algumas da obras mais conhecidas deste período.

Medicina

Foram os portugueses que introduziram no Japão a medicina ocidental. Luís de Almeida, padre jesuíta e médico, levou para o Japão o conceito moderno de hospital. Foi queimado vivo, mas hoje, na cidade de Oita (antiga Funai, ilha de Quiushu, no sul do Japão), existe o Hospital Luís de Almeida.