Ricardo Salgado tornou-se ontem o 15.o nome envolvido na Operação Marquês. O megaprocesso em torno de José Sócrates, que tem como data-limite para o final da investigação o próximo mês de março, conta agora com 20 arguidos, entre os quais cinco empresas.
A informação foi confirmada durante a manhã pela Procuradoria-Geral da República.
Ricardo Salgado começou por ser ouvido no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) sobre o negócio PT/Oi. A meio da tarde saiu de carro, mas para ser levado ao Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa. Na sequência do interrogatório da manhã, o Ministério Público requereu o interrogatório judicial do arguido, para que fosse aplicada uma medida de coação diferente do termo de identidade e residência. Ricardo Salgado estava desde o final do ano passado sujeito apenas a esta medida de coação mínima no âmbito do caso BES, que investiga a falência do banco.
Segundo o i apurou, foi Carlos Alexandre a liderar o interrogatório no Tribunal Central de Instrução Criminal. A conclusão da diligência foi comunicada pela PGR ao final do dia. O juiz decidiu aplicar a Salgado as medidas de coação de proibição de ausência para o estrangeiro sem prévia autorização e de proibição de contactos com os restantes arguidos, bem como com algumas pessoas e entidades com ligações ao Grupo Espírito Santo. A nota confirmava ainda os cinco crimes de que é suspeito: corrupção, abuso de confiança, tráfico de influência, branqueamento e fraude fiscal qualificada.
A ponta solta
Ricardo Salgado passou a ser oficialmente arguido, mas a sua ligação a todo o caso há muito que se desenhava.
O processo investiga diversas movimentações financeiras de vários milhões feitas entre 2006 e 2011, tendo como origem entidades do universo GES e destino final contas de Carlos Santos Silva (que, para o Ministério Público, não passa de um testa-de-ferro de José Sócrates). O Ministério Público acredita que o ex-primeiro-ministro terá beneficiado de cerca de 23 milhões de euros, e parte deste montante terá tido origem em entidades do Grupo Espírito Santo. Além disso, o MP considera que o GES, enquanto acionista da PT, terá sido um dos grandes beneficiários de todas as decisões tomadas por Sócrates no âmbito do negócio da PT com a Oi – a venda da participação da Vivo à Telefónica e a compra de 22% da Oi por parte da PT, que ficou concluída em 2010 mas começou a ser “negociada” anos antes.
A OPA da SONAE Indo por partes, é difícil estabelecer uma data concreta para o aparecimento do nome de Ricardo Salgado na teia da Operação Marquês, até porque, para o Ministério Público, tudo está relacionado com tudo.
A primeira vez, porém, que foi noticiada uma ligação do antigo banqueiro ao caso que tem como principal arguido o ex-primeiro–ministro José Sócrates foi em outubro de 2015 – um ano após a mediática detenção no aeroporto de Lisboa.
Nessa altura, a investigação analisava a oferta pública de aquisição lançada pela Sonae à Portugal Telecom, no início de 2006. Esta fase da Operação Marquês coincidiu com a detenção de Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, numa altura em que o Ministério Público já investigava também alegadas contrapartidas do Grupo Lena a Sócrates, bem como o negócio de Vale do Lobo.
Belmiro de Azevedo não foi ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal como testemunha por motivos de saúde, mas o seu filho Paulo Azevedo foi prestar esclarecimentos. Mas o que importa são as suspeitas que então estavam em cima da mesa: perceber por que motivo a OPA sobre a Portugal Telecom fora chumbada um ano depois, em 2007, com a abstenção do banco público.
Paulo Azevedo terá contado aos procuradores que a OPA lançada pela Sonae tinha contado inicialmente com o apoio do governo liderado por José Sócrates, revelando inclusivamente um encontro que tinha tido com o ex-primeiro-ministro um ano antes do lançamento da oferta pública. Segundo a mesma testemunha, além de José Sócrates, a intenção do grupo foi comunicada à Caixa Geral de Depósitos e ao Grupo Espírito Santo, liderado por Ricardo Salgado. De acordo com o que o “Diário de Notícias” noticiou na altura, Sócrates, terá dito Paulo Azevedo ao MP, mudara entretanto de posição.
O post-it do Brasil
Se a equipa do Ministério Público há muito que tentava seguir pistas relacionadas com a Portugal Telecom e as relações dos arguidos com Zeinal Bava, mas também com Ricardo Salgado, no final de 2015 surge uma pista relevante do outro lado do Atlântico.
Tal como o semanário “SOL” avançou na altura em exclusivo, os investigadores da Operação Lava Jato descobriram um “post- -it” com a inscrição Portugal. Os procuradores brasileiros foram surpreendidos durante uma busca ao irmão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu com um pequeno manuscrito.
O pequeno papel amarelo foi suficiente para colocar a PT no centro do maior caso de corrupção da história daquele país e dar força às vagas suspeitas que existiam deste lado do Atlântico.
Esta e outras diligências realizadas no Brasil permitiram cimentar as investigações sobre a relação de Dirceu, antigo homem forte de Lula da Silva, com a petrolífera estatal Petrobras e outras empresas, entre as quais a Portugal Telecom.
No relatório parcial que consta do despacho de indiciação de José Dirceu, que o “SOL” noticiou em setembro daquele ano, lia-se que a anotação com o nome da telefónica portuguesa tinha sido recolhida juntamente com documentos que provam pagamentos de várias empresas por serviços de consultoria simulados.
Nessa altura, o contacto do MP brasileiro com a equipa do procurador Rosário Teixeira já era frequente e, além dos pedidos de auxílio feitos formalmente à PGR, havia muita troca de informação informal e passagem de dados, o que terá acontecido com esta pequena anotação.
Negócio PT-Vivo-Telefónica
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal está convencido da existência de interferências por parte do ex-governante na operação de venda dos 50% que a PT detinha na brasileira Vivo à Telefónica – um negócio que permitiu à empresa portuguesa o encaixe de 7,5 mil milhões de euros –, interferências que o MP entende terem-se estendido à compra de 22,38% da Oi por 3,7 mil milhões de euros.
Ou seja, a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira – e que investiga a Operação Marquês desde 2013, tendo já sido por diversas vezes estendido o prazo para o desfecho do inquérito – acredita que Sócrates não só se opôs à oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae sobre a PT – pondo um ponto final no negócio com o uso da golden share – como ainda condicionou, numa fase posterior, a venda da participação da PT na brasileira Vivo aos interesses de políticos do Brasil. E esses interesses passariam, defendem os procuradores, por uma entrada da PT na Oi.
O MP considera que, pelo menos desde 2008, houve contactos entre o poder político brasileiro e os administradores de peso da PT – como o GES – para que a telefónica portuguesa investisse na Oi, que resultou da fusão da Telemar com a Brasil Telecom e era controlada à data pela empresa Andrade Gutierrez – investigada na Operação Lava Jato – e pelo grupo La Fonte.
Ainda não tinha passado um ano desde que a OPA da Sonae caíra (2007) quando os brasileiros terão pedido ao escritório de advogados com sede na Rua Castilho (a mesma rua onde morava o ex-primeiro-ministro), em Lisboa, para fazer os primeiros contactos com os acionistas de peso da Portugal Telecom, entre os quais o Grupo Espírito Santo (GES).
Bava e Granadeiro alvo de buscas
No ano passado, Zeinal Bava, ex-presidente executivo da Portugal Telecom, e Henrique Granadeiro, antigo presidente do conselho de administração da mesma empresa, foram alvo de buscas no âmbito da Operação Marquês.
Na altura, o Ministério Público confirmou terem sido feitas “buscas domiciliárias e não domiciliárias em vários pontos do país, designadamente em instalações de diversas sociedades do grupo PT, em residências de antigos gestores da empresa e num escritório de advogados”, que entretanto se sabe ser o do advogado João Abrantes Serra.
A PGR, porém, abria ainda mais o jogo e confirmava oficialmente as ligações ao GES e a necessidade de um dia vir a ouvir Ricardo Salgado: “Em causa estão eventuais ligações entre circuitos financeiros investigados [na Operação Marquês] e os grupos PT e Espírito Santo.”
Os 18,5 milhões de Bava
Tal como já foi noticiado, Zeinal Bava recebeu 18,5 milhões de euros do Grupo Espírito Santo, valor que, segundo o próprio, se destinaria à compra de ações para altos quadros da PT.
O dinheiro chegou às contas do ex-presidente executivo da PT em 2010 e 2011 vindo da E. S. Enterprises (o chamado saco azul do GES), no período coincidente com o da venda da participação na Vivo e da entrada na Oi.
Bava nunca comprou ações com os milhões recebidos e acabou por devolver o dinheiro só no ano passado.
Uma das pontas soltas foi a justificação de Bava para a transferência dos 18,5 milhões. É que a pessoa que ordenou a saída do dinheiro da E. S. Enterprises, ou seja, Ricardo Salgado, deu outra versão. Segundo o “Observador” noticiou no ano passado, o ex- -presidente do BES terá referido perante o juiz Carlos Alexandre que tal pagamento era para “cativar” Zeinal Bava.
Papéis do Panamá e Marquês
Muitas das suspeitas que já tinham sido noticiadas voltaram a fazer correr tinta em abril do ano passado a propósito dos Papéis do Panamá. O “Expresso” e a TVI noticiaram então que o dinheiro do caso Sócrates (entenda-se os montantes que se suspeita terem servido para pagamento de luvas) tinha tido origem em entidades do universo GES – o grupo que o MP sempre disse ter beneficiado com o negócio da PT.
Na altura, Hélder Bataglia, que foi ouvido nos últimos dias no âmbito da Operação Marquês, disse àqueles dois órgãos de comunicação que 12 milhões que foram transferidos para Joaquim Barroca tinham tido origem na E.S. Enterprises e que nada tinham a ver com a ESCOM (de que Bataglia é fundador), e que tão-pouco se destinavam a pagar favores relativos ao empreendimento Vale do Lobo, como o MP chegou a desconfiar.
Bataglia terá defendido que tanto ele como Barroca, por cujas contas o dinheiro passou, nada têm a ver com as transferências, que na origem terão, diz, a tal entidade do GES. Com F. C. e M. F. R.