Benoît Hamon, uma cara desconhecida para grande parte do eleitorado francês, ex-ministro da Educação e membro da ala mais à esquerda do Partido Socialista, venceu ontem a primeira volta das primárias da esquerda francesa, batendo o ex-primeiro-ministro e ligeiro favorito, Manuel Valls, 35,2% contra 31,5%.
Hamon, que até há duas semanas era um outsider e a quem se atribui o manto de um Bernie Sanders ou Jeremy Corbyn francês, é agora o favorito a candidato socialista para as eleições presidenciais deste ano, uma vez que parte para a segunda volta das primárias com o apoio do terceiro classificado e ex-ministro da Economia e Indústria Arnaud Montebourg, que ontem conseguiu quase 19% dos votos. Já Valls pode no máximo contar com o apoio da candidata do Partido Radical de Esquerda, que não chegou aos 2%.
Qualquer que seja o desfecho, porém, há poucas chances de estar entre os socialistas o próximo presidente francês. As sondagens, aliás, indicam que um candidato do partido do governo conseguiria o quinto lugar e último lugar, abaixo dos 10% e atrás dos favoritos François Fillon, o homem do centro-direita, e Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional; do independente Emmanuel Macron e, por fim, do candidato da extrema- -esquerda, Jean-Luc Mélenchon. As previsões sugerem que Le Pen vence a primeira volta das presidenciais, em abril, mas perde a segunda ida às urnas, em maio, que é quando se espera que o candidato do centro-direita, François Fillon, reúna o voto republicano, receoso do projeto eurocético e antimigração da Frente Nacional.
A chegada de Benoît Hamon às presidenciais, porém, pode alterar a lógica das eleições. Hamon propõe um programa muito mais à esquerda do que o do governo do ultra-impopular François Hollande, que anunciou já que não se vai recandidatar. Hamon sugere, por exemplo, um rendimento universal no valor de 750 euros, que se tornaria o vencimento-base para todos os cidadãos franceses. O socialista defende também a realização de mais referendos para determinar a política nacional e a legalização da canábis. Os críticos sugerem que Hamon é uma espécie de Fillon da esquerda – o candidato do Republicanos tem uma agenda neoliberal que pode custar-lhe o apoio da classe trabalhadora, o que, por sua vez, pode custar-lhe a eleição para Le Pen.
Valls tem o prejuízo de ter estado no governo até dezembro, partilhando assim parte da impopularidade de Hollande. Em todo o caso, o ex-primeiro-ministro conseguiria reunir o apoio da direita socialista que, diante um candidato como Benoît Hamon, pode sangrar para o terceiro colocado, Emmanuel Macron, que tem um pé no centro-direita e outro no centro-esquerda e, para além disso, tem vindo a melhorar substancialmente nas sondagens. Algumas atribuem-lhe até 20% das intenções de voto, o suficiente para se poder tornar uma surpresa.