Malala Yousefai só não morreu há pouco mais de quatro anos por algo que se aproxima de um milagre. A bala que um militante talibã disparou contra a sua cabeça resvalou-lhe em vez disso a face, feriu-lhe o pescoço e acabou enterrada no ombro. Malala tinha então 15 anos e o homem, conta-se, tinha as mãos a tremer à entrada do autocarro escolar que transportava adolescentes na região do Vale Swat, no Paquistão. O tremer das mãos pode ter salvado a vida à jovem Malala. O que quase a condenou foi escrever para um blogue do serviço da BBC em urdu contando a vida de um adolescente sob comando dos talibã e recusar-se a sair da escola por ser mulher. “Quando sobrevivi ao ataque e acordei no hospital, pensei de forma muito, muito clara que esta vida era para uma causa”, conta à edição publicada esta semana da “Newsweek”. “Isto é uma segunda vida, e foi-me dada para algo maior do que eu era antes.”
A jovem paquistanesa atingiu realmente algo de maior. Em quatro anos, Malala tornou-se um dos rostos mais conhecidos no mundo, primeiro com a luta pelo direito à educação para mulheres em países e comunidades em desenvolvimento, e mais tarde pelo acesso à escolaridade por jovens de grupos vulneráveis. Há quase três anos tornou-se a mais jovem recipiente do Prémio Nobel da Paz, antes disso venceu o Prémio Sakharov para os direitos humanos, criou uma fundação que hoje gere cerca de dez milhões de dólares anualmente, encontrou-se com dezenas de líderes mundiais e discursou nas Nações Unidas não apenas sobre a importância da educação para as jovens mulheres, mas também sobre a marcha pela emancipação da mulher e igualdade de género. “Houve uma altura em que as ativistas mulheres pediam aos homens que se erguessem pelos seus direitos “, disse à Assembleia-Geral, na altura com 16 anos. “Mas, desta vez, vamos fazê-lo nós mesmas.”
Mas que papel existe para a mulher que se celebrizou quando era adolescente por defender o livre acesso das adolescentes mulheres à educação quando ela própria deixa de ser adolescente? Malala tem hoje 19 anos e prepara-se para entrar na universidade. A cumprir-se a sua vontade, ingressará este ano em Oxford, no Reino Unido – onde vive desde o ataque talibã –, para frequentar o célebre curso de Filosofia, Política e Economia, o mesmo que possui uma grande maioria dos mais destacados políticos britânicos. A sua segunda vida foi por enquanto deixada para trás. Malala não participa no dia a dia da sua fundação e à “Newsweek” fala sobretudo do seu nervosismo na entrevista de admissão à universidade e de como não é nem uma celebridade nem uma rapariga socialmente hábil. A rapariga paquistanesa quer ser uma jovem como qualquer outra e abrir um novo capítulo na sua vida, pela primeira vez longe dos pais. “Por vezes, não queres lembrar-te a ti mesma da fama”, diz.
Mas a sua terceira vida não é a de estudante universitária. Pelo menos não é a que se lhe vem atribuindo ou a que ela própria vai reivindicando para si. De acordo com a “Newsweek”, Malala disse em outubro, numa conferência sobre temas ligados às mulheres, nos Emirados Árabes Unidos, que o seu desejo é ser primeira-ministra do Paquistão. Afirmou o mesmo há um pouco mais de um ano, dessa vez ao diário britânico “The Guardian”. “Já que os nossos políticos não estão a fazer nada por nós, nada pela paz, nada pela educação, quero ser primeira-ministra do meu país”, disse então. Por estes dias, porém, Malala diz apenas que ainda está a pensar sobre o que fazer depois de – previsivelmente – entrar em Oxford. À sua volta, muitos antecipam uma brilhante carreira política – não é de descartar também um fracasso, mas já lá vamos –, potenciada, em parte, pelas amizades já travadas com líderes mundiais. “Nunca conheci ninguém tão eloquente, tão apaixonada e determinada em fazer a diferença”, conta à “Newsweek” Christina Lamb, biógrafa de Malala. “Não me surpreenderia se ela se tornasse primeira-ministra do Paquistão ou secretária-geral da ONU.
Mas a verdade é que não há propriamente uma passadeira vermelha estendida para Malala no Paquistão. Nem tão pouco na Ásia mais vasta. Os talibã não desistiram ainda de matá-la e prometem tentá-lo novamente. Por outro lado, a aclamação de Malala não lhe valeu novas amizades numa região onde tomar a posição dos países ocidentais é frequentemente recebido com escárnio. Ou, pior, com violência. A atribuição do Nobel da Paz pode ter contribuído mais para a sua impopularidade na região do que o contrário.
Malala afirmou várias vezes que a sua história só é valiosa por não ser única e muitas vezes repetida na sua região. Mas a sua celebridade tem um preço a pagar. “A sua importância reside na sua capacidade de ser normal e viver ainda assim uma vida ética e inspiradora”, argumenta o autor indiano Tabish Khair à “Newsweek”. “Torná-la um ideal é negar-lhe isso, minimizá-lo”, argumenta. Ou, nas palavras de há três anos do jornalista Assed Baig, no “Huffington Post”: “Esta é a história de uma rapariga nativa a ser resgatada pelo homem branco. Enviada pelos ares para o Reino Unido, o mundo ocidental pode sentir-se bem consigo mesmo ao salvar a rapariga nativa dos homens selvagens da sua nação-berço. Esta é uma narrativa histórica institucionalizada”.