Aviso: este texto contém linguagem imprópria. Não há reticências, nem espaços em branco, mas antes as palavras reproduzidas tal como foram ditas ou escritas.
“Ashley Judd, maldita puta estúpida”. “Se não aguentas a internet, desaparece, puta”. “Desejo que a Ashley Judd tenha uma morte horrível, ela é a pior”. “Ashley Judd, és a razão pela qual as mulheres não deveriam votar”. “Ela vai morrer sozinha com uma vagina seca”. “Se tivesse de foder uma mulher mais velha, oh meu Deus, foderia até não poder mais a Ashley Judd, aquela cabra é sexy. As coisas imperdoáveis que eu lhe faria.”
Foi assim que a atriz começou a sua TED Talk, intitulada “How Online Abuse of Women Has Spiraled Out of Control”, gravada em outubro, mas divulgada dias antes da Marcha das Mulheres, de sábado. As palavras – brutas, dolorosas, agressivas – pareciam retiradas de um qualquer guião que a atriz já tivesse representado. Não pareciam reais, mas eram. Eram efetivamente alguns dos comentários que Ashley Judd recebeu nas suas redes sociais desde que, em 2011, abriu uma conta de Twitter – comentários que apenas cresceram com o lançamento, no ano seguinte, do seu livro de memórias, “All That Is Bitter and Sweet”, no qual confessou uma vida de abusos; e quando, em 2013, o seu nome foi considerado para a corrida ao Senado norte-americano.
Ao longo de 16 minutos, a atriz explica que tem tentado as mais variadas estratégias para lidar com estes ataques sem rosto. “Tentei ser superior, tentei ir à guerra, mas acima de tudo passei a ver as plataformas sociais com um olho parcialmente fechado, como que para não ver tudo. Mas o que via, marcava-me. É traumático. Secretamente desejava sempre que o que me diziam e o que diziam sobre mim não fosse… Verdade. Porque até eu, uma devota e auto declarada feminista, interiorizei o patriarcado.”
Foi em 2015, na sequência de um tweet da atriz a propósito de um jogo de basquetebol a que assistia entre os Arkansas Razorbacks e a sua equipa, os Kentucky Wildcats, que os comentários chegaram a níveis inéditos, incluindo ameaças de violação e de morte. Foi o telefonema, já fora de horas, do ex-marido, que a fez abrir os olhos: “Ele disse-me que o que me estava a acontecer não estava certo. E houve algo na tomada de posição que teve em relação a mim… Que me permitiu tomar uma posição por mim própria. Comecei a escrever. Comecei a partilhar o facto de ser uma sobrevivente de todas as formas de abuso sexual, inclusive três violações.”
Contra todos os conselhos daqueles que a rodeavam, a atriz seguiu em frente, passou a agir legalmente contra os que a agrediam virtualmente e tornou-se ativista por uma internet livre de abusos e fundadora do Women’s Media Center Speech Project, estando ainda ligada a associações como o International Center for Research on Women, a Women for Women International e a Research on Women – juntando a isto o trabalho humanitário que tem feito relacionado com o HIV/Sida e a YouthAIDS, que a tem levado a países como o Camboja, o Quénia e o Ruanda, e o seu papel enquanto Embaixadora da Boa Vontade do Fundo para a População das Nações Unidas. É, de resto, da autoria das Nações Unidas, um relatório de 2015 que estima que 73% das mulheres já sofreram alguma forma de violência através da internet e que as mulheres são 27 vezes mais provavelmente abusadas online que os homens.
Foi esta mulher – a ativista –, mas também a atriz – a mesma que fez a sua estreia em 1991, em dois episódios da série “Star Trek: The Next Generation” e que conta no seu currículo com dezenas de séries e filmes, entre os quais “Ruby in Paradise” (1993), “Kiss The Girls” (1997), “Double Jeopardy” (1999), “High Crimes” (2002), “De-Lovely” (2004), “Bug” (2006), “Missing” (2012) – que subiu ao palco, no passado sábado, na Marcha das Mulheres, em Washington, para aquela que foi, provavelmente, uma das interpretações da sua vida.
A atriz de 48 anos não foi a única celebridade a tomar a palavra na crítica a Donald Trump – tal como ela Madonna, Michael Moore, Scarlett Johansson, Janelle Monae e America Ferrera também o fizeram. Mas o poema “I’m a Nasty Woman”, que Ashley Judd declamou, da autoria da jovem Nina Donovan, de 19 anos, perante milhares de pessoas tornou-se o momento mais viral da manifestação. E o mais cru.
A atriz começou por explicar que tinha pedido emprestadas as palavras a esta jovem do Tennessee – que se soube mais tarde ser uma jovem que recita poesia em pequenos clubes. “I am a nasty woman”, grita numa voz imponente. Mas, diz logo a seguir, não tão “nasty” (má, suja, grosseira, obescena, perversa) como “o homem que parece tomar banho em pó de Cheetos”, numa clara referência ao tom de pele alaranjado de Trump. A partir daqui são cerca de seis minutos recheados de palavras perturbadoras, que inclusive comparam Trump a Hitler. “Não sabia que os demónios podiam ser ressuscitados, mas sinto Hitler nestas ruas – um bigode trocado por um capachinho, terapia de conversão sexual como as novas câmaras de gás, envergonhando os gays para fora da América e transformando arco-íris em notas de suicídio.”
E a atriz segue com o poema, voz cada vez mais inflamada, plateia cada vez mais perturbada, para dizer que não é tão “nasty” como “o racismo, a fraude, os conflitos de interesses, a homofobia, o abuso sexual, a transfobia, a supremacia branca, a misoginia, a ignorância.” Tudo características que os críticos de Trump lhe apontam. Mas Ashley – e a autora, Nina – não têm medo de ser estas mulheres, porque se sentem “nasty” como Susan, Elizabeth, Eleanor, Amelia, Rosa, Gloria, Condoleezza, Sonia, Malala, Michelle, Hillary. Mulheres que admiram e que marcaram a vida dos EUA e do mundo nos últimos anos. Ah, “and our pussies ain’t for grabbin’.”