Governo britânico obrigado a pedir autorização ao parlamento para iniciar Brexit

May perdeu o recurso no Supremo Tribunal e Westminster terá de dar luz verde ao processo de saída dos britânicos da UE. Ainda assim, o executivo mostra-se confiante em cumprir com o prazo definido para acionar o artigo 50.

A primeira-ministra Theresa May e o seu governo bem queriam poder desencadear unilateralmente o processo de abandono dos britânicos da União Europeia, mas esta terça-feira foram formalmente impedidos de o fazer. O Supremo Tribunal do Reino Unido apresentou as suas conclusões sobre o recurso interposto pelo executivo sobre a decisão do Tribunal Superior, de novembro do ano passado, e chegou ao mesmo entendimento que aquele órgão judicial: é no parlamento britânico que reside a legitimidade política para dar início ao Brexit. Neste sentido, May apenas poderá acionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa – que formaliza o pedido de saída da UE – após a votação favorável dessa vontade, nas duas câmaras de Westminster.

“O Supremo Tribunal considera que os termos do European Communities Act de 1972 (ECA), [o ato legislativo aprovado pelo parlamento britânico que definiu as bases para a entrada do Reino Unido na Comunidade Económica Europeia] (…) são inconsistentes com o exercício de qualquer poder ministerial com vista à retirada [do país] dos tratados da UE, sem a autorização prévia de um ato do parlamento”, pode ler-se no comunicado partilhado no site oficial do tribunal, que resume os principais argumentos das parte em disputa e a consequente decisão judicial, confirmando aquilo que o Lord Neuberger, havia anunciado horas antes.

Dos 11 membros do colégio de juízes do Supremo Tribunal, 8 votaram a favor da obrigatoriedade da aprovação parlamentar e 3 votaram contra. Entenderam então os primeiros que, tendo em conta que a aprovação do ECA decretou que as leis oriundas da União passaram a integrar o Direito britânico, e que o Brexit irá resultar, forçosamente, no fim dessa realidade, os “direitos gozados pelos residentes no Reino Unido, garantidos pelas leis europeias, ficarão afetados”. Para o tribunal, tal consequência redundará numa “alteração fundamental” nas disposições constitucionais britânicas, uma vez que se trata da revogação de uma fonte de Direito “independente e primordial”. É com base neste raciocínio, orientado para a maior legitimidade do parlamento, em matéria constitucional, que o Supremo Tribunal entende que a autorização da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lordes é obrigatória para que o governo possa levar para a frente o projeto de romper com a UE.

Rapidez e objetividade

Apesar da decisão do tribunal, o governo não tem dúvidas de que conseguirá cumprir com o prazo definido por May e acionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, antes do dia 31 de março. Foi precisamente essa a mensagem que David Davis, o secretário de Estado mandatado para liderar o processo de saída da União, quis passar juntos dos deputados, no parlamento, poucas horas depois de conhecida a decisão do Supremo. Pelo meio de trocas de acusações – o governo acredita que a decisão do tribunal não belisca a sua legitimidade para liderar o processo, ao passo que a oposição entende o posicionamento judicial como uma “humilhação” à “estratégia de desrespeito pelo parlamento”, até aí pela equipa de May – Davis garantiu que o executivo irá apresentar, “nos próximos dias”, uma proposta de lei que seja “o mais objetiva possível”.

O Partido Conservador tem maioria na Câmara dos Comuns e não deverá ter grandes dificuldades em fazer aprovar a lei naquela assembleia. Mesmo com a rejeição dos Liberais Democratas, dos deputados do Partido Nacional Escocês (SNP), do Labour Party – Jeremy Corbyn prometeu que os trabalhistas “não vão frustrar” a acionar do artigo 50, pelo que até é provável que a votação contrária nem seja muito significativa – e inclusivamente de um ou outro tory mais rebelde, a superioridade de 15 deputados que o governo tem naquela câmara garante-lhe uma taxa de sucesso elevada.

O maior foco de imprevisibilidade poderá vir, isso sim, da Câmara dos Lordes, uma vez que ali não existe uma maioria afeta ao partido no poder. Haverá, no entanto, a noção de que um chumbo à permissão dada ao governo para iniciar as negociações coma União, depois de uma decisão contrária na Câmara dos Comuns, poderá deixar o Reino Unido num impasse político, difícil de ultrapassar. E ao qual os Lordes dificilmente quererão estar associados.

Sturgeon vai à luta

Aquando das audiências realizadas em dezembro do ano passado, para apreciação do recurso interposto ao Supremo Tribunal, foram ouvidos, para além dos representantes do executivo, delegados dos governos da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, que reivindicavam a participação das respetivas assembleias nas discussões sobre o Brexit.

Ora os juízes também revelaram o seu posicionamento sobre o tema e decidiram, por unanimidade, que os ministros não estão obrigados a consultar os parlamentos das diferentes nações que compõem o Reino Unido, uma vez que “as relações com a UE e outros assuntos externos estão reservados ao governo e ao parlamento, não às instituições descentralizadas”.

Uma decisão que, seguramente, deve ter levado May a soltar um suspiro de alívio, mas que não caiu bem junto de Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa. A líder do SNP garantiu que os seus deputados em Westminster vão apresentar “50 modificações sérias e substantivas” à proposta de lei do governo e voltou a deixar no ar a intenção de organizar um novo referendo independentista na região. “Não será melhor agarrarmos o futuro com as nossas próprias mãos? Está a tornar-se cada vez mais clara a escolha que a Escócia terá de fazer”, disse, citada pela BBC. 

O raciocínio de Sturgeon é simples: O Reino Unido decidiu pelo Brexit. Na Escócia venceu o “não” à saída. A Escócia quer ficar na UE e no Mercado Único. A Escócia quer ser independente.