«Hoje é um grande dia para o SNS para o país e para a cidade de Lisboa. Com a cedência de terrenos camarários para a construção de um novo edifício do IPO, com capacidade para atender mais 1500 doentes por ano, vamos ter mais e melhor IPO. Uma expansão das instalações que garante a continuidade do IPO em Lisboa e permitirá uma relação ainda mais humana com os doentes desta instituição de referência em todo o país. Ao mesmo tempo, vamos reorganizar o espaço público dando mais condições a esta unidade de saúde na sua ligação a uma Praça de Espanha mais verde».
Estas são as palavras do presidente da CML, Fernando Medina, na sua página do Facebook do dia 16 de janeiro. É tudo verdade, mas é apenas uma pequena parte da verdade. Ou melhor, é apenas uma quarta parte da verdade.
A verdade por inteiro é a proposta 698/CM/2016: a proposta de lançamento da hasta pública da parcela AB, resultante da Unidade de Execução da Praça de Espanha. Foi levada pelo presidente Fernando Medina à Assembleia Municipal para aprovação no dia 17 de janeiro.
Dito desta maneira, é conversa de políticos e de advogados. Ora, a referida parcela AB é o terreno onde estavam os feirantes da Praça de Espanha. Dito assim, já toda a gente sabe do que se está a falar.
A proposta que foi à Assembleia Municipal (dividida em quatro partes) realmente tem lá um protocolo entre a CML e o IPO, mas tem sobretudo a criação de um eixo terciário na cidade de Lisboa.
Portanto, aquilo que se deliberou, em reunião de Câmara e na Assembleia, foi vender o terreno municipal na Praça de Espanha onde estavam os feirantes pelo valor de 16.450.000 (dezasseis milhões e quatrocentos e cinquenta mil) euros.
A Câmara resolveu vender essa parcela municipal, com área de 3.275 m2, exclusivamente destinada ao uso terciário. Ou seja, vai vender um dos ativos municipais mais importantes. Este está, aliás, no top ten dos ativos municipais. O valor base da hasta pública demonstra bem o valor que tem.
A maior estranheza decorre de ter-nos caído do céu um prédio de escritórios onde os sucessivos executivos PS juraram sempre que ia nascer um jardim.
Manuel Salgado, que era vice-presidente da CML em 2012, fez aprovar um projeto para tornar «a área central da Praça de Espanha um jardim de utilização intensa». E acrescentava: «É possível, retirando os comerciantes e o terminal de transportes, fazer uma rotunda triangular e ganhar quatro hectares de terreno e fazer um jardim».
Em setembro, de 2015, já com Fernando Medina na presidência, discutiu-se o pagamento de 820.000 euros aos 69 comerciantes e declarava-se a ambição de reconverter o espaço, através da «criação de uma Praça pública de qualidade perfeitamente integrada na malha urbana, com vocação relevante para a fixação de atividades de lazer».
Ou seja, enquanto lá estiveram os feirantes, prometeu-se um jardim. Depois de os feirantes terem sido indemnizados para sair, prometeu-se mais SNS e IPO.
Nada nos mete mais medo do que o cancro. Nada nos suscita mais amor e compaixão do que os doentes e suas famílias, que somos todos nós.
Talvez por isso seja tão errado usar os mais nobres sentimentos humanos para disfarçar mais uma venda de património.
sofiarocha@sol.pt