A falsa polémica dos Yazidis

Esta semana, surgiram notícias que davam conta de que Portugal teria pedido para receber refugiados da minoria yazidi. Tudo não passou de um equívoco, garantem autoridades.  

São uma minoria religiosa e étnica. Uma comunidade do Médio Oriente que não é nem cristã nem muçulmana, cujo credo é mais ancestral que qualquer uma destas fés. Há séculos que vivem no Norte do Iraque. Foram perseguidos, assassinados, escravizados. Mais: os yazidis foram vítimas de genocídio às mãos do autoproclamado Estado Islâmico. Portugal vai receber, nas próximas semanas, 30 refugiados yazidi. O programa de acolhimento preparado pelo governo desencadeou esta semana uma polémica internacional. 

Em causa esteve uma alegada recusa da Grécia em responder ao pedido de Portugal de receber especificamente esta minoria, notícia que foi desmentida por todos os intervenientes. Mas alertou de novo para uma das minorias mais negligenciadas do mundo.

A perseguição aos yazidis que começou ainda antes de 2014 e  ainda não terminou, levou no ano passado as Nações Unidas a reconhecer oficialmente o genocídio deste povo. 

Muitas mulheres e crianças foram violadas. Duas destas vítimas sexuais, Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar, foram capturadas na sua aldeia, Kocho, na zona de Sinjar, Norte do Iraque, em 2014. Conseguiram escapar das malhas do Daesh.
Viveram, literalmente, para contar as atrocidades que sofreram e levar ao mundo informação sobre o que estava a ser feito contra a sua comunidade. «O objetivo deles era eliminar todos os yazidis porque, para eles, nós somos hereges. Não havia homens bons entre eles», contou ao Expresso Nadia, raptada aos 21 anos, numa entrevista publicada em maio.
Tornaram-se ativistas. Em dezembro, receberam em Estrasburgo o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Pensamento. Nadia também recebeu,  em outubro, o  Prémio de Direitos Humanos Vaclav Havel e é agora  embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico de Seres Humanos. 

A suposta polémica

Nadia e Lamiya são duas vozes que contam a história de uma população altamente traumatizada e vulnerável, que Portugal alegadamente ‘pediu’ para receber no âmbito do programa de recolocação de refugiados. Foi este alegado pedido que gerou controvérsia nos últimos dias.

Tudo começou com uma notícia da Associated Press (AP), difundida na quarta-feira. À AP, o Ministro da Migrações, Ioannis Mouzalas, explicou que «um Governo não pode discriminar tendo em conta a raça».

A notícia causou desconforto em Portugal, já que surgiu após o ministro Eduardo Cabrita ter  anunciado, no dia anterior, que o país iria receber, nas próximas semanas, trinta refugiados desta minoria. 
O ministro tinha sublinhado ainda que Portugal se disponibilizou para receber «cerca  de cinco mil refugiados», 400 dos quais pertencentes à comunidade yazidi vindos de campos de refugiados da Grécia.

Aquilo que parecia uma boca grega aos planos portugueses acabou, porém, por se revelar um equívoco. 
A Grécia fez questão de sublinhar que as declarações do seu Ministro das Migrações não se dirigiam a Portugal. «A declaração foi generalista e não fez referência a qualquer país em específico», garantiu o gabinete do ministro grego à Renascença.

Também o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, corroborou a  ausência de escolha. « Portugal não dirigiu nenhum pedido à Grécia para privilegiar, fosse a que título fosse, um conjunto étnico dentro do contingente de refugiados que Portugal se disponibilizou a acolher». 

A posição do ministro foi secundada por Ana Gomes a partir de Bruxelas. «Do lado de Portugal, nunca houve nenhum cherry picking, como dizem, nenhum pedido concreto», garantiu na quinta-feira a eurodeputada numa conferência de imprensa em Bruxelas, em que o SOL participou. «Quem submete os nomes das pessoas são as autoridades gregas ou italianas [dependendo da localização do campo de refugiados], mas também não são elas que os escolhem», explicou.
«Sei de alguns países que pedem apenas cristãos ou famílias, mas este não foi o caso», denunciou Ana Gomes, que garantiu que o único critério válido no processo é o da «vulnerabilidade» das pessoas. «Os processos destes 30 yazidis que estão para chegar foram submetidos pelas autoridades gregas às autoridades portuguesas que as aceitaram (…) Certamente os nomes destas pessoas foram escolhidos pela sua vulnerabilidade, tem que se começar por algum lado», afirmou na mesma conferência a eurodeputada, para quem a polémica não passou de uma «tempestade num copo de água». 

De acordo com Ana Gomes, Portugal já recebeu cerca de 1000 refugiados. Por dia, têm chegado ao aeroporto Humberto Delgado, longe do imediatismo, cerca de 20 pessoas. Na Grécia, permanecem 2500 refugiados yazidi que esperam que o seu nome entre, a conta gotas, no sistema.