Donald Trump nunca escondeu a sua admiração por Ivanka, a segunda mais velha dos cinco filhos do magnata. Em declarações à “First Coast News”, em agosto do ano passado, confessou que gostaria que a filha fosse a primeira escolha feminina para integrar a sua equipa na Casa Branca. “Ela é muito popular, tem-se portado muito bem”, elogiou o então candidato presidencial. Dez anos antes, aquando da participação num talkshow da “ABC”, Trump disse, em tom de gozo, que se Ivanka não fosse sua filha, sairia com ela.
A este fascínio genuíno – que levou a imprensa norte-americana a catalogá-la como a “filha preferida” – o novo presidente dos EUA também já demonstrou morrer de amores pelo seu genro, Jared Kushner, marido de Ivanka e igualmente imperador no ramo imobiliário nova-iorquino. O seu papel de destaque durante a campanha do republicano e a influência que teve (e tem) junto do mesmo valeu-lhe o convite para o prestigiado cargo de conselheiro presidencial, pesem as muitas dúvidas sobre a eventual violação das leis antinepotismo norte-americanas ou a alegada existência de conflitos de interesse.
Jared e Ivanka também partilham com Trump o perfil de empreendedores de sucesso que agarraram com as duas mãos as oportunidades proporcionadas pela participação nos negócios das respetivas famílias, e que conseguiram traçar os seus próprios caminhos, enquanto empresários a título individual. Sobre o casal paira, no entanto, uma aura conciliadora tal, que os separa definitivamente da figura controversa do pai Trump e que, nas palavras da jornalista Anushay Hossain, partilhadas num artigo de opinião no site da “CNN”, “oferece à Casa Branca uma imagem muito mais apelativa do que aquela que Donald Trump alguma vez irá conseguir construir”.
Este é precisamente um dos pontos-chave que ajuda a explicar como este trajeto sólido e consensual, construído a dois, conseguiu ganhar a estima da opinião pública norte-americana e catapultar o casal para uma posição central no jogo de poder e de influência que já se desenrola na Casa Branca, desde o dia 20 de janeiro. Jared, de 36, e Ivanka, de 35 anos, são a representação mais autêntica daquilo que os americanos veem como um casal bem-sucedido e a equipa do presidente espera lucrar com esse rótulo e aligeirar o clima de tensão em Washington, fruto das posições mais polémicas da presidência e do caráter algo conflituoso de quem ocupa o cargo mais alto. Donald Trump, pois claro.
Vidas semelhantes
Já antes de se conhecerem, Jared e Ivanka partilharam um estilo de vida semelhante. Estudaram em universidades prestigiadas, exerceram funções nas empresas da família e movimentaram-se como ninguém no meio da elite económica e política de Manhattan. A filha de Trump e da modelo checa Ivana Zelníčková – a primeira das três mulheres do magnata – estudou economia na prestigiada Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, e chegou a vice-presidente da Fundação Trump. Ao mesmo tempo fundou outros negócios, a título pessoal, nas áreas da moda, beleza e joalharia.
Kushner formou-se em sociologia em Harvard e assumiu os destinos do império imobiliário do pai, com apenas 24 anos. Foi à volta desse negócio que construiu o seu próprio império, que hoje inclui a posição de maior acionista no jornal “New York Observer”, um meio de comunicação influente junto da elite de Nova Iorque.
Conheceram-se em 2005, num encontro organizado por alguém que acreditava que os dois poderiam ser parceiros de negócio. As parecenças entre o percurso e o perfil dos dois foram tantas, que acabou por resultar em casamento, em 2009, depois de Ivanka se converter ao judaísmo ortodoxo, professado por Jared.
Ajuda preciosa em campanha
Se dúvidas houvesse sobre o papel de destaque que estará reservado ao casal Jared-Ivanka para os próximos quatro anos, Trump fez questão de os desfazer poucos dias depois da consagração eleitoral. Ainda durante o período de transição, o primeiro-ministro do Japão foi recebido na Trump Tower, em Nova Iorque, naquela que foi a estreia do presidente eleito em diplomacia, e o magnata fez-se acompanhar pela filha e pelo genro, em tão simbólico evento.
O papel influente de Ivanka Trump e Jared Kushner não se limita, no entanto, ao facto de se deixarem fotografar, risonhos, junto a Shinzo Abe. Desde o dia em que Donald Trump oficializou a intenção de concorrer à presidência dos EUA – foi a própria filha que o chamou ao palco, em junho de 2015 – os dois empresários assumiram-se como peças fundamentais para o sucesso da campanha.
À sua popularidade junto do eleitorado jovem e feminino – posta em prática em variadíssimas presenças em comícios de campanha –, Ivanka aliou a sua capacidade em “amansar” o mau génio do pai e, com isso, fazer-se ouvir, como ninguém, junto do chefe de família. “Ela tem uma maneira especial de conseguir falar com ele [e por isso] confia nela”, contou Donald Jr., irmão mais velho, à “CNN”.
Kellyanne Conway, diretora de campanha de Trump e atual conselheira do presidente confirma esta tese: diz que a relação entre pai e filha é “impenetrável” e revela que Ivanka teve um papel fulcral em diversas decisões importantes, como a escolha de Mike Pence para o cargo de vice-presidente. “Ela sabe aquilo que Donald Trump pretende”, explicou.
O mesmo se pode dizer de Jared Kushner, apelidado pelo “New York Times” como o “líder de facto da campanha presidencial” e responsável, por exemplo, por ter colocado Trump em contacto com o empresário da comunicação Rupert Murdoch e com o antigo secretário de Estado Henry Kissinger, nomes respeitáveis do meio político conservador externo. A influência de Jared junto do atual presidente atingiu um nível tal que nos EUA ninguém duvida que foi por sua diretriz expressa que o antigo governador de Nova Jérsia, Chris Christie, um dos favoritos de Trump, foi afastado da futura administração – alegadamente devido às investigações que resultaram na ordem de prisão do pai de Kushner, nos tempos em que Christie era procurador.
O futuro é deles
Quer Ivanka, quer Jared, têm papéis bem definidos para o futuro próximo e o facto de terem renunciado aos negócios onde estavam envolvidos, reforça ainda mais esta previsão. A filha do chefe de Estado está pronta para se assumir como uma autêntica primeira-dama, beneficiando do facto de Melania Trump, a detentora do “cargo”, continuar a viver em Nova Iorque, nos primeiros tempos da presidência, com o filho Barron. Será nesse registo “sombra” que Ivanka aconselhará o pai, quer através da sua influência apaziguadora, quer de trabalho concreto nas áreas da Educação e do Feminismo, onde tem experiência.
Quanto a Jared, e uma vez que o departamento de Justiça norte-americano concluiu que a sua contratação para conselheiro não viola as leis anti-nepotismo – que proíbe a contratação de familiares de dirigentes públicos para cargos que fiquem sob a sua chefia –, juntar-se-á a Reince Priebus e Steve Bannon, no grupo dos principais estrategas da Casa Branca, nos próximos quatro anos. E se Jared pretender transferir alguma da controvérsia do seu sogro para si, bastar-lhe-á aceitar a sugestão daquele e liderar as negociações de paz para o conflito israelo-palestiniano. É que o marido de Ivanka é um fervoroso adepto da continuação do processo de expansão israelita, através da construção de colonatos em território palestiniano ocupado, e um dos principais defensores da mudança da embaixada norte-americana em Israel, de Telavive para Jerusalém.
A equipa Ivanka-Jared tem tudo para acumular nas mãos mais poder do que qualquer outro casal dos EUA e seguramente não irá abdicar dessa possibilidade. Terão é de mover-se com especial cautela, uma vez que a sua imagem, positiva e consensual, junto da opinião pública, está intimamente alicerçada na existência do tal círculo elitista político e liberal, que se estende de Nova Iorque a Washington e que Donald Trump prometeu sacudir dos cargos do poder. Essa realidade e o facto de terem maiores índices de popularidade que o líder recentemente eleito aumentam o risco de divergências profundas com a estratégia da presidência. E nem Ivanka, nem Jared, quererão tirar protagonismo ao circo Trump. Por enquanto, a confiança do presidente é incondicional.