Nenhum governo o admite mas, a acreditar nos relatos telefónicos publicados na imprensa norte-americana e mexicana, Donald Trump precisou de apenas dois telefonemas em dois dias para insultar e ameaçar dois líderes mundiais e próximos aliados. A Associated Press afirma que o magnata nova-iorquino disse ao presidente mexicano na sexta-feira que as suas tropas estão amedrontadas e que o melhor pode ser enviar militares norte-americanos para combater os cartéis de droga. Ao primeiro-ministro australiano, Trump indicou que está disposto a romper o compromisso de recolocação de centenas de refugiados assinado nos dias do governo de Obama, que o novo presidente designou como “o pior acordo de sempre”, antes de terminar abruptamente a conversa telefónica com Malcolm Turnbull dizendo-lhe que também ela havia sido a pior que tivera na ronda de telefonemas de sábado, de acordo com o que escrevia ontem o “Washington Post”.
De uma forma ou de outra, todas as administrações contradizem os relatos de ontem. O gabinete de Enrique Peña Nieto, que na última semana cancelou um encontro com Trump em Washington depois de este ter voltado a prometer que seria o México a pagar pelo muro que será construído na fronteira, dizia ontem que não houve quaisquer ameaças e que a conversa de sexta-feira entre os dois foi “construtiva”. A AP e a CNN avançam versões diferentes, ambas com linguagem fora do protocolo, mas que podem, em todo o caso, serem entendidas como uma proposta de ajuda. Ambas citam termos diferentes – a fonte da notícia parece ser a de um relatório interno da Casa Branca que resume a conversa telefónica. A da agência noticiosa é a mais branda: “Têm aí em baixo um monte de bad hombres. Não estão a fazer o suficiente para os travar. Acho que o vosso exército tem medo. O nosso não tem, por isso posso muito bem enviá-lo para resolver o assunto.”
O governo mexicano não desmente que Trump tenha sugerido o envio de tropas americanas – apenas que as notícias “não correspondem à realidade”. Mas o telefonema com o primeiro--ministro australiano tem contornos mais definidos, consequências facilmente mensuráveis e, de acordo com o jornal “Washington Post”, menos 45 minutos do que o suposto. O diário norte-americano revelou na noite de quarta-feira que Donald Trump desligou pouco cordialmente a chamada a Malcolm Turnbull quando este tentava garantir que o presidente norte-americano iria cumprir o compromisso deixado por Barack Obama e receber nos Estados Unidos 1250 refugiados já avaliados, a quem já foi concedido o estatuto de exilados e que, nalguns casos, estão detidos há mais de três meses em dois centros offshore financiados pelo governo australiano, que se recusa a acolhê-los – mesmo reconhecendo-lhes o direito de asilo – por temer que isso encoraje mais embarcações do Sudeste asiático a partir para a Austrália, uma política regularmente criticada pelas Nações Unidas e dezenas de organizações de direitos humanos.
O governo australiano não o admite, mas o próprio Donald Trump respondia ontem às notícias sobre os seus telefonemas prometendo continuar com as conversas “duras”. “Acreditem em mim: quando ouvirem falar das chamadas duras que ando a ter, não se preocupem”, disse no tradicional pequeno-almoço da oração. Antes já publicara um tweet respondendo às notícias sobre o telefonema com o primeiro-ministro da Austrália, dizendo que ia rever o “acordo estúpido” e identificando erradamente as centenas de refugiados ao tratá-los como “imigrantes ilegais”.