O Governo austríaco anunciou esta semana que será o próximo país europeu a proibir o uso dos véus islâmicos que cobrem toda a cara das mulheres. A proibição afetará um número quase irrelevante de pessoas – serão, no máximo, umas 150 mulheres que usam nicabes ou burcas no país -, mas confirma a tendência iniciada pela França há seis anos. Desde que o Eliseu proibiu o uso dos dois véus na rua, em 2011, sob um clamor de polémica que a acusava de descriminar a população muçulmana, sete países europeus aprovaram interdições semelhantes ou estão para o fazer muito em breve. A Áustria anunciou-o esta semana, mas a chanceler alemã Angela Merkel prometeu-o já em dezembro. A Suíça aprovou também uma interdição nacional, mas ainda não a pôs em funcionamento. A Holanda já tem a interdição em espaços públicos, algumas partes da Itália fazem o mesmo e a Noruega está em vias de o conseguir nas escolas e universidades.
Acontece o mesmo em vários países africanos, mesmo os de grande maioria muçulmana. Burcas e nicabes estão interditos nas universidades egípcias e em Marrocos a proibição nacional chegou ao ponto de os comerciantes queimarem as roupas em nome da segurança.
No continente americano, o Canadá já o debateu com fervor, sobretudo no Quebeque, onde há dias um homem disparou sobre uma multidão de 50 pessoas que praticava as rezas da noite no Centro Cultural Islâmico, matando seis muçulmanos. Cidades catalãs já tentaram interdições, mas o Supremo espanhol barrou-lhes o caminho.
Os argumentos andam quase sempre à volta de preocupações sociais e de segurança, mas, pelo menos na Europa, a força motriz parece residir na atração do eleitorado por partidos nacionalistas de direita. A Áustria é exemplo disso. O pacote legislativo que interdita o uso de burcas e nicabes no centro urbano de Viena e no célebre resort de esqui Zell am See surge por pressão do Partido Popular, parceiro de coligação com o Partido Social-Democrata e a força mais ameaçada pela ascensão da direita nacionalista, que, neste momento, lidera as sondagens para as legislativas do próximo ano. A Holanda anunciou a sua própria lei só depois de o partido islamofóbico de Geert Wilders ter disparado em popularidade. E Angela Merkel parece também só ter apresentado a ideia da interdição parcial para apaziguar a ala direita do seu partido, irada com a entrada de mais de um milhão de requerentes de asilo em dois anos e assustada com o crescimento da formação nacionalista, a Alternativa para a Alemanha. Como escreve a revista Der Spiegel: «Ela diz que os véus que cobrem toda a cara ‘devem ser banidos onde for legalmente possível’. Visto que é bem sabido que Merkel não considera o tema da burca particularmente relevante, trata-se claramente de uma mensagem de reconciliação com os seus críticos».
Cultura e segurança
A justificação divide-se sobretudo em dois campos, com mais ou menos influência, estando o público mais ou menos assustado com, de um lado, a integração – ou ausência dela – da população muçulmana no seu país, ou, por outro, a perspetiva real de um atentado que aproveite as vestes longas islâmicas para nelas ocultar armas ou bombas. As duas ideias andam de mão dada, mas tem sido difícil a políticos europeus argumentar que a proibição das burcas e nicabes se deve a motivos de segurança, dado o reduzido número de mulheres que as usam em cada país. Na Alemanha, por exemplo, o argumento securitário definhou rapidamente a favor de uma justificação cultural, não só porque é mais fácil aplicá-la à lei, mas também porque nunca as veste islâmicas entraram nas prioridades de ação antiterrorismo das autoridades europeias.
Já em países como os Camarões e o Chade, que são de maioria muçulmana e que recentemente proibiram o uso dos véus completos, o Boko Haram usa regularmente raparigas e mulheres como mulas bombistas – nestes países, por exemplo, restringiram-se também os motociclos, um outro meio preferido de ataque, ou, no caso da Nigéria, os cavalos, usados pelos extremistas quando falta um meio motorizado.
O argumento cultural tem mais força e é mais comum na Europa e Ocidente, onde, regra-geral, a população tem más perspetivas sobre a prática do Islão e receio de que a cultura judaico-cristã venha a sucumbir sob o peso de uma população mais devota e com mais altas taxas de natalidade. De acordo com um estudo do Pew Research Center de julho do último ano, que estima que 43% da população da Europa tem uma perspetiva negativa sobre muçulmanos, a grande maioria dos europeus acredita que quem pratica o Islão não tem interesse em integrar-se na sociedade mais vasta. Esta é a opinião mais popular até nos países onde existem perspetivas mais positivas sobre muçulmanos, como a Alemanha, Suécia e Holanda – 61% dos alemães dizem-no, por exemplo. Defender que a burca e o nicabe são contrários aos ideais de convivência aberta em sociedade, aliás, tem jurisprudência: há três anos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decretou que a lei francesa de 2011 não atenta contra nenhum direito e que a preservação de uma determinada ideia de «convivência comum» é um «objetivo legítimo» do governo francês. Do outro lado saiu derrotada uma cidadã francesa anónima, de 24 anos, que veste burca e nicabe e cujos advogados argumentavam que a sua proibição em locais públicos «é desumana e degradante, atenta contra o direito do respeito pela família e vida privada, liberdade de pensamento, consciência e religião, liberdade de expressão».
Quem defende quem?
A deliberação do Tribunal Europeu ajuda a que leis semelhantes à francesa não sejam derrubadas noutros países. A decisão é particularmente relevante tendo em conta que se sustenta apenas na ideia de que é permitido a um governo interditar o uso dos véus que cobrem a cara pois é aceitável vê-los como «uma barreira erguida» que pode «violar o direito dos outros a viverem num espaço de sociabilização que torne fácil conviver uns com os outros». Mas a lei – lê-se na deliberação – não vale nem como medida securitária nem como ferramenta que permita às mulheres muçulmanas libertarem-se do jugo de uma prática religiosa machista que lhes interdita a emancipação, mesmo que esse seja o principal argumento de muitos dos que defendem a interdição. Como, por exemplo, a colunista muçulmana Mona Eltahawy: «A melhor maneira de ajudar as mulheres muçulmanas é fazer simultaneamente oposição aos islamofóbicos racistas e à burca», argumenta num artigo de opinião publicado no New York Times. «Uma coisa é proibir a burca num país como a Arábia Saudita – e vivi lá durante seis anos e as mulheres são tratadas como crianças – mas desespera-me ver os que usam os mesmos argumentos em locais onde os direitos da mulher são há muito respeitados. Quando vi pela primeira vez uma mulher de burca em Copenhaga fiquei horrorizada».
Para cada Eltahawy, porém, existe quem argumente que a proibição é o verdadeiro radicalismo. Como por exemplo, Semaa Abdulwali, que no Guardian argumenta que usar uma burca a faz sentir-se livre: «Sinto-me libertada pelo facto de poder escolher o que as pessoas vêem. Julgamos os outros com base na sua aparência antes de os conhecermos. Quando lidam comigo, lidam com a minha mente, a minha personalidade, as minhas emoções e o que tenho a oferecer como pessoa. É tudo».