Malária, infertilidade, regeneração óssea e mobilidade. O 4 em linha da ciência

Um inquérito feito junto de 5 mil europeus mostra que 67% acredita que as mulheres não têm capacidade para ocupar posições de topo na ciência. Pois bem, estas quatro portuguesas sobem ao pódio para receber as medalhas de honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência e acabar com preconceitos.

O prémio distingue áreas tão diferentes como a luta contra a infertilidade e a malária, a par da regeneração óssea e a mobilidade urbana.

Isabel Veiga, 35 anos
Estuda os níveis de resistência da malária ao tratamento disponível

Isabel doutorou-se em Ciências Médicas no Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, onde começou a estudar a resistência do parasita da malária ao tratamento disponível. Continuou a aprofundar o tema durante o pós-doutoramento, primeiro neste mesmo Instituto e desde há quatro anos conjuntamente na Universidade de Columbia, EUA, e no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS), da Universidade do Minho.

Qual é o problema que quer ver resolvido?

O foco da minha investigação é a luta contra a malária. Em jeito de contexto, é preciso lembrar que a malária é uma doença provocada por um parasita que se propaga através da picada de um mosquito infetado. Um dos maiores problemas da doença é a capacidade resiliente do parasita, que se tem vindo a tornar resistente aos fármacos.

Em que fase está a investigação?

O meu trabalho incide no estudo de proteínas transportadoras de membranas, que conseguem levar os fármacos para o exterior da célula onde deveriam atuar, escapando, assim, à ação dos medicamentos. Mutações nestas proteínas podem afetar a eficácia do transporte, dificultando ou beneficiando a expulsão do fármaco.
Estas modificações genéticas feitas em laboratório funcionam como ferramenta de diagnóstico, ou seja, vão permitir saber qual a resistência de determinado parasita para que sejam administrados os fármacos certos.

Qual o objetivo final da investigação?

Não vou conseguir mudar a eficácia do tratamento, mas espero conseguir prever a sua eficácia. Com isso na mão, podemos usar esses dados para desenvolver novos fármacos e perceber a eficácia e longevidade antes de serem lançados para o mercado.

O papel da mulher na ciência é…

igual ao dos homens, pelo menos para o tipo de investigação que faço. Basta ver que no laboratório temos uma equipa composta por três homens e quatro mulheres. O cenário só fica dificultado para a mulher por causa da maternidade, até porque não temos horários nem contratos de trabalho tradicionais.

 

Maria Inês Almeida, 33 anos
Investiga de que forma é possível potenciar a regeneração óssea

Doutorada em 2012 pela Universidade do Minho e pelo MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas,  Maria Inês Almeida estudou os efeitos biológicos de microRNAs no cancro colorretal. No ano seguinte, iniciou o pós-doutoramento no Instituto de Engenharia Biomédica e Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, mantendo-se na área da biologia molecular e continuando a estudar o papel dos microRNAs e das moléculas de RNA na regeneração de tecidos.

Qual é o problema que quer ver resolvido?

A capacidade de regeneração do osso está diminuída, tanto por doenças como a osteoporose, como por defeitos ósseos causados por fraturas ou por cirurgias para remoção de tumores.

Em que fase está a investigação?

É curioso que apenas 2% do nosso DNA dê origem a proteínas, de tal forma que aos restantes 98% se dava o nome de DNA lixo. Mas descobriu-se que parte destes 98% dá origem a moléculas de RNA não codificantes com funções importantes nas células. Dentro destas existem ainda os micro RNA, que regulam vários processos como a proliferação das células. No nosso caso, pode ajudar a que as células cresçam mais, ajudando assim na regeneração óssea. Estamos a tentar alterar os movimentos destes micro_RNA de forma a que sejam mais eficientes e consigam “instruir” as células para construírem novo osso de uma forma natural.

Qual o objetivo final da investigação?

Fazer com que defeitos ósseos consigam regenerar e que seja o próprio osso a regenerar esse tecido. Além disso, a diferenciação dos RNA pode ter outras funções terapêuticas. Já existem ensaios clínicos para o tratamento de cancro, medicina dentaria ou regeneração de outro tipo de tecidos, que não o osso.

O papel da mulher na ciência é…

Mais dificultado, até porque são raras as mulheres a chegar a cargos de topo na ciência. Além disso, a falta de estabilidade laboral e benefício social faz com que a maternidade seja quase sempre adiada. Mas acredito que esta precariedade afete homens e mulheres, até porque passamos grande parte da nossa carreira como bolseiros, sem direito a contrato de trabalho.

 

Ana Rita Marques, 36 anos
Estuda as alterações celulares que podem dar origem a casos de infertilidade

Ana Rita doutorou-se no Instituto Gulbenkian de Ciência (2007-2011) na área de biologia do desenvolvimento. Aos 31 anos, já depois de ter a primeira filha, prosseguiu o pós-doutoramento na área da biologia celular, como investigadora da mesma instituição. Em 2015 voltou a ser mãe e, atualmente, com 36 anos, permanece no IGC, no Grupo Cell Cycle Regulation

Qual é o problema que quer ver resolvido?

Esta investigação parte de um projeto anterior no qual descobrimos que existem estruturas muito pequenas nas nossas células – os centríolo – que são muito importantes para que estas se dividam corretamente. Pensava-se que eram estruturas estáveis mas provamos que não usando como exemplo a mosca da fruta.

Em que fase está a investigação?

Sempre que um óvulo é fertilizado, os centríolos são eliminados, sendo depois compensados com os centríolos provenientes do espermatozoide. No caso da formação dos óvulos da fêmea, é o desaparecimento do revestimento que permite a eliminação dos centríolos e, consequentemente, a correta fertilização. As fêmeas forçadas experimentalmente a reter os centríolos nos seus óvulos são inférteis: os ovos fecundados ficam com um número excessivo de centríolos, causando divisões anormais no embrião e a consequente paragem no desenvolvimento. Queremos agora compreender quais são os fatores responsáveis pela presença deste escudo protetor e qual o seu papel na regulação e estabilidade dos centríolos.

Qual o objetivo final da investigação?

A aplicação do que estudamos não é imediata mas está aberto o caminho para perceber se existem casos de infertilidade feminina que estejam relacionados com a retenção de centríolos. Mas é difícil que haja um ponto final na ciência, há sempre questões novas que surgem.

O papel da mulher na ciência é…

Muito importante, principalmente se estivermos perante mulheres interessadas e curiosas. A maternidade surge sempre como um desafio e, no meu caso, tive que planear bem as gravidezes, porque parar de trabalhar numa área de investigação competitiva pode ter impacto na carreira.

 

Patrícia Baptista, 33 anos
Cria ferramentas que permitam ajustar as viagens às necessidades dos utilizadores

Patrícia Baptista doutorou-se em Sistemas Sustentáveis de Energia, no Instituto Superior Técnico. Dedicou-se à Avaliação do Impacto de Tecnologias e Combustíveis Alternativos no Setor Rodoviário e focou o seu pós-doutoramento na avaliação do Impacte Energético, Ambiental e Económico das Tecnologias de Comunicação e Informação na Mobilidade Urbana. Atualmente, aos 33 anos, é investigadora do Centro de estudos em Inovação, Tecnologia e políticas de Desenvolvimento IN+, no Instituto Superior Técnico

Qual é o problema que quer ver resolvido?

Quando definimos um destino de viagem, já é possível saber antecipadamente qual o trajeto mais curto ou o mais económico e até conhecer os pontos de congestionamento que iremos encontrar. No entanto, há muitas outras informações relevantes que não estão ainda equacionadas.

Em que fase está a investigação?

O objetivo deste projeto é que variáveis como o tempo de viagem, o esforço físico, a inalação de gases poluentes e o consumo de energia sejam tidas em conta na hora de planear uma viagem em contexto urbano. As pessoas têm interesses diferentes, há quem queira chegar mais rápido, mas há quem prefira evitar ruas com declive acentuado ou zonas com mais tráfego. Esta informação torna-se particularmente importante no contexto de crescente urbanização e envelhecimento da população que caracteriza praticamente todos os países desenvolvidos, e nomeadamente Portugal, o quinto país da Europa com mais elevado índice de envelhecimento e onde apenas 26,1% da população vive em zonas rurais.

Qual o objetivo final da investigação?

Apesar do interface com o utilizador não ser da minha competência, o objetivo é que seja criada uma ferramenta, que pode ser uma app que funcione com o Google Maps, que permita a qualquer utilizador escolher o trajeto, consoante as suas necessidades.

O papel da mulher na ciência é…

Diferenciador. As mulheres podem trazer um ponto de vista diferente, mais não seja por envolverem as preocupações do dia-a-dia e o contexto familiar, por exemplo.