Descreve este “Ministério do Tempo” como a série mais ambiciosa em que já participou. Porquê?
Por razões óbvias. Primeiro é uma série que obedece a um formato espanhol e a uma série de normas que temos de cumprir apesar de eles terem um orçamento muito superior. Conseguimos fazer alguns milagres como acho que os portugueses acabam por conseguir sempre. Além disto, é uma série que usa cenários em 3D e chroma e só isso já obriga a uma construção de cenários diferente. Depois, há uma lista de elenco grandiosa – além do núcleo fixo são mais de 200 e tal atores que passam pela série, e esta não é uma série de uma época, mas de muitas épocas.
O facto de trabalhar em chroma é muito desafiante para um ator porque na verdade está a trabalhar no vazio.
De certa forma. Nunca tinha trabalhado assim. No nosso caso, temos sempre metade da realidade em estúdio. Ou seja, temos sempre metade do cenário efetivamente construído. Depois, a outra metade em termos de pessoas, é que é inserida através do computador. Por exemplo, a minha personagem, a Amélia, começa logo com uma cena na faculdade em que eu estava com muito menos pessoas do que depois se vê na cena. Isso é engraçado e diferente. Tenho de imaginar que estou numa sala de aulas com muitos mais alunos do que tenho ali ao meu lado. Mas é-nos sempre avisado do que é suposto estar a aparecer no produto final e portanto temos sempre perfeita consciência do que não está ali mas estará.
Esta personagem, Amélia Carvalho, é uma mulher à frente do seu tempo que foi beber inspiração a uma portuguesa.
Só um bocadinho. A única semelhança que existe entre a Amélia e a Domitília Carvalho é o facto de esta ter sido a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra e portanto é uma mulher à frente do seu tempo e muito representativa. Acho que ela é um exemplo, mesmo nos dias de hoje, porque ficou como um marco – foi a primeira mulher a ingressar numa faculdade onde à data só andavam homens. Mas é esta a única semelhança. Tudo o resto é completamente ficcionado.
Reconhece-se de alguma forma no perfil destas mulheres?
Sim. Revejo-me nesse lado emancipado. Também fiz algumas coisas diferentes para a minha época. Saí de casa mais cedo do que era suposto e vivi a minha independência mais cedo do que é usual. Mas além deste lado pessoal acho que tanto a Amélia como a Domitília são exemplos para as mulheres de hoje. Naquela altura, finais do século XIX, a mulher estava completamente espartilhada na sociedade. Não tinha qualquer importância a não ser a doméstica. Graças a Deus hoje em dia o cenário é completamente diferente, mas espero que ainda continuemos a caminhar para mais igualdade, porque ainda existem diferenças, como por exemplo o acesso a cargos de chefia ou o equilíbrio salarial. Isto na nossa realidade nacional, porque fora de Portugal existem muitos outros fatores. Esta personagem veio reforçar o meu lado feminista.
Antes já tinha estado numa série com feministas no centro da ação, “Mulheres de Abril”.
Tenho estado, tanto na vida real – em que abracei algumas causas associadas à defesa da mulher -, como na ficção tem-me acontecido representar figuras que lutam pelos direitos das mulheres. Depois dessa série, em 2015 fui champion para a igualdade de género pelas Nações Unidas. Tudo isto acabou por me abrir mais a consciência. Ou melhor, ainda mais, porque a verdade é que tem sido uma coisa latente no meu percurso porque o meu pai é sociólogo e trabalhou muitos anos na Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres. Ou seja, sempre tive essa consciência, mas acho que foi um abrir de olhos maior quando me calhou uma personagem tão relacionada com a causa.
Se pensar no período retratado nessa série e na atualidade, mudou muita coisa?
Desde o 25 de abril conseguimos muito. Não nos podemos esquecer como estávamos fechados e como tínhamos uma mentalidade extremamente machista. Foram precisos 40 anos para dar um papel mais preponderante à mulher. Ainda não estamos lá, mas começamos a ver mais caras femininas na política, a liderar empresas… Na representação, por exemplo, há hoje protagonistas com personalidades mais fortes, que não são submissas. Mas é importante que não se iludam: não estamos ainda em pé de igualdade, apesar de estarmos muito melhores do que estávamos.
De que consistiu o seu trabalho com as Nações Unidas?
O convite surgiu porque eu já tinha dado a cara por algumas campanhas internacionais, nomeadamente uma a favor da escolaridade feminina e uma outra contra a mutilação genital feminina. Estavam à procura de champions em cada país e fez-me muito sentido participar, acho que devemos usar a nossa exposição a favor da sociedade. Depois, o que pretendiam de mim, era que, durante um ano, trouxesse o tema o mais à tona possível, fosse através das redes sociais, de entrevistas, da participação em debates…
O que mais a surpreendeu durante esse ano?
Sobretudo o facto de a violência acontecer tão frequentemente em namoros adolescentes. Normalmente pensa-se que a violência doméstica acontece sobretudo entre casais mais velhos, com mentalidades mais retrógradas e machistas, mas estamos a falar de miúdos com 14 ou 15 anos. É a geração futura e não tem consciência sequer dos valores e princípios básicos. Foi depois de perceber isto que fiz o livro “Mariana Num Mundo Igual”. É nas camadas mais jovens que tem de se começar a introduzir estes temas e a esclarecer. Não podemos permitir que jovens destas idades tenham relações amorosas que envolvem agressões, sejam físicas ou psicológicas.
Há muitos anos que o prime time nacional está ocupado por novelas, sendo que a RTP está agora a apostar, mais que nunca, em séries nacionais. Para quem esteve, durante muitos anos, ligada às novelas, mais recentemente tem estado mais ligada a séries. Sentia necessidade de outro ritmo?
Sem dúvida. Numa novela, já sabemos que vamos ingressar num projeto durante cerca de dez meses, onde nos é dada a sinopse da personagem mas onde o caminho está completamente aberto – até porque, cada vez mais, os autores se vão guiando pelo feedback do público – e o ritmo de trabalho é acelerado. Acaba por ser um trabalho intenso e exigente – no mesmo dia chegamos a ter muitas cenas com diferentes estados de emoção. No caso das séries, há um outro cuidado, gravamos muito menos por dia, mas é igualmente intenso porque cada cena demora muito mais a ser gravada. São dois produtos muito distintos. A mim alicia-me muito fazer séries porque sei que consigo construir melhor as minhas personagens. Mas sinto que, para a realidade do país, ambos os produtos são necessários.
No entanto, parece que as séries portuguesas, apesar do aumento de produção e salvo raríssimas exceções, como “Conta-me Como Foi”, têm mais dificuldade em conquistar o público.
Porque somos um país que já tem a cultura da novela enraizada há alguns anos. Não deu ainda para fidelizar um público ao formato série nacional. Mas creio que o público que vê as novelas não será o público que vai ver as séries.
Por que diz isso?
Acho que o público que vê séries é um público que usa muitos canais de cabo e canais online e portanto é um público que tem de voltar a um canal nacional para ver produção nacional. Mas acredito que vá acontecer. No caso de “Ministério do Tempo” tivemos muitas visualizações online e acredito que pode abrir um novo caminho e conquistar as pessoas. Porque é a nossa história e apela ao nosso patriotismo. Mas independentemente disto, acho que faz todo o sentido que o canal público aposte nesta vertente da ficção porque é um canal que tem de servir para mudar as consciências. O exemplo tem de ser dado pela RTP, mas gostava que os canais privados lhe seguissem os passos.
Vestiu mesmo a camisola da RTP.
É importante perceber isto: sou hoje em dia uma freelancer, trabalho para o produto com o qual me identificar mais e visto a camisola do projeto em que estiver. Estive no “Coração d’Ouro”, da SIC, e acreditei naquele produto e promovi-o até ao final. Se estivesse a fazer algo na TVI faria o mesmo. Agora, é verdade que vou escolher consoante o produto que faça mais sentido. E, para mim, neste momento, o que faz mais sentido para a minha carreira é investir nas séries, uma vez que o meu currículo tem mais novelas. Assim como também estou interessada em abrir caminho para o teatro e para o cinema.
Essa decisão de passar a ser freelancer veio com uma certa dose de insegurança?
Sim, mas que durou pouco tempo. Durou um ou dois meses em que estive a pensar que seria muito complexo – mas a verdade é que esses meses também coincidiram com o fim de uma novela e portanto precisava mesmo de parar. Mas fui logo sendo sinalizada de que sair da zona de conforto é a melhor coisa que nos pode acontecer na vida. Não se cresce estando na zona de conforto. Também é verdade que ainda não tive nenhum momento de grande incógnita em relação ao que iria fazer a seguir. É um dos motivos pelos quais me sinto mais grata. Mas também acredito que, quando se luta realmente, acaba por se abrir uma porta. E se tivesse de experimentar outra coisa, experimentaria. Se um dia surgirem essas paragens serão um sinal para se calhar escolher um rumo que me permita crescer e evoluir mais. Porque tenho consciência que este meio é muito injusto e ingrato. Somos muitos para um mercado relativamente pequeno. O trabalho não chega para tantos atores formados e com capacidades que existem. É a realidade.
Este ano cumprem-se 12 anos desde que entrou na terceira série de “Morangos com Açúcar”. O que ficou até hoje dessa experiência?
Sem dúvida as ligações humanas. Se houve algo que ficou dos Morangos foram as relações humanas. Trabalhávamos de segunda a sábado, 12 horas por dia. Tínhamos todos idades semelhantes e muito vinham, tal como eu, de fora de Lisboa.
Ao nível humano os Morangos também implicaram experiências mais dolorosas, nomeadamente com a morte de alguns atores.
Foi muito delicado e não deixou de ser, até hoje. Éramos todos muito unidos. A morte é uma das coisas com que não consigo lidar. E infelizmente já se perderam algumas pessoas. Mas não sei falar sobre isto. É um alerta para que se perceba que a vida tem de ser vivida porque nunca se sabe o dia de amanhã. São pessoas que estão guardadas no meu coração.
Há estudos em relação ao fenómeno dos Morangos que referem que vocês eram muito jovens e não estavam preparados para o fenómeno que a série se revelou.
Até hoje continuo a dizer que não houve nenhum trabalho depois disso onde tivesse o tipo de reações que tive nos Morangos. Lembro-me de termos ido assistir a um concerto dos D’ZRT e para sair dali foi um caos. Parecíamos estrelas internacionais. Acho que foi a primeira vez que os jovens se identificaram com aquilo que viam. Ainda assim, acho que a grande maioria de nós, éramos miúdos com estrutura e valores que nos ajudaram a manter os pés assentes no chão. Acho que os acidentes que aconteceram não tiveram a ver com deslumbramento.
Mas nunca houve nenhum momento em que se sentiu engolida por aquilo tudo? Ainda por cima, no seu caso, não foi só participar numa série juvenil de enorme sucesso, mas isso implicou sair do Porto para Lisboa, de casa dos pais para morar sozinha, com apenas 16 anos…
Foi muita coisa. Agradecerei eternamente aos meus pais a educação que me deram e que foi crucial para tentar encaixar tudo aquilo que estava a acontecer. Lembro-me do dia em que entrei no metro em Telheiras e já estava um cartaz enorme com a minha cara. Percebi que, a partir daquele momento, podia estar a andar de metro normalmente e as pessoas reconhecerem-me. Fui aceitando que isso ia acontecer de forma muito gradual, sem nunca achar que era especial. Sinceramente aquilo com que não soube lidar foram mesmo as fatalidades que aconteceram, porque com o outro lado da exposição não tive problemas. Fui-me habituando a que me viessem pedir autógrafos e percebi que isso era normal porque eu entro pela casa das pessoas.
Nunca lhe tinha passado pela cabeça ser atriz?
Cheguei a estar num clube no Porto em que tinha algumas atividades, entre elas teatro, e até gostava como um hobby. Mas não me via como atriz. Mas a verdade é que eu não me via como nada porque era uma adolescente perdida quanto ao meu futuro. Gostava muito de astronomia, só que só me via a ser astrónoma na NASA… Dentro desta ambição toda e com muitas dúvidas, acabei por achar a oportunidade dos Morangos uma espécie de intervalo à minha rotina para que pudesse pensar melhor sobre o que queria ser. Isto apesar de já estar no 11.º em Economia. A casualidade de eu ter vindo parar aos Morangos foi realmente grande. Estava de passagem por Lisboa e deixei umas fotografias numa agência e um mês depois chamaram-me. Até o deixar as fotos na agência foi mais pela graça, porque era do Porto, não tinha muito nexo estar numa agência em Lisboa. Tinha de acontecer.
Quando a chamaram disseram-lhe logo para o que era?
Sim, ligaram-me a dizer que tinha de vir a Lisboa fazer um casting. Disse aos meus pais que vinha a Lisboa fazer um casting, mas que não era para ficar, só que tinha curiosidade porque nunca tinha feito um casting. Era uma adolescente à procura do seu destino, porque não? Vim com a minha irmã, com quem passei o texto e no casting, quem me deu contracena, foi o Jorge Corrula. No mesmo dia em que fui estava também o Tiago Felizardo, a Sara Prata e a Helena Costa. Ficámos todos. Voltei para o Porto, nunca mais pensei naquilo e um mês e tal depois ligam-me a dizer que tinha ficado e tinha de me mudar para Lisboa.
Como disse aos seus pais?
Adiei o mais possível dar-lhes a novidade para que, sob pressão, não tivessem muito tempo para pensar. Tinha de estar a 13 de julho em Lisboa para fazer um workshop e resolvi esperar pelo dia de anos da minha irmã, a 5 de julho, para contar, no meio do ambiente de festa. Os meus pais ficaram cheios de dúvidas, porque eu era menor de idade, estava no secundário e de repente queria mudar de cidade sozinha… Acabaram por compreender, mas estipulámos muita coisa, como que eu iria ao Porto todos os fins de semana e que iria estudar. Cumpri tudo, mas nuns timings um pouco diferentes. Nomeadamente os estudos, que não foi possível conciliar naquele ano, só no seguinte.
Quanto tempo morou numa residencial?
Era uma residencial de estudantes na Estrela, mas só lá fiquei durante o tempo do workshop. Depois fui morar com a Oceana Basílio.
Esses primeiros tempos ficaram marcados por um misto de sentimentos – por um lado a excitação de fazer parte de um projeto como este, por outro o medo de estar logo de casa e da família?
Sim. Eu era das mais novas. Mais novos que eu só existia o Tiago Felizardo e o elenco infantil. Claro que houve sempre essa dualidade. Estava a vir para o desconhecido. Mal conhecia Lisboa. E em casa tinha uns pais galinha, não era uma miúda de sair da minha zona de conforto. Mas era uma jovem em busca do que queria para o futuro e achei que podia ser uma boa oportunidade ter uma experiência de um ano numa cidade diferente, onde ia conhecer gente nova e me poderia esclarecer sobre o futuro.
Quando percebeu que efetivamente tinha encontrado as respostas que procurava, apesar de serem diferentes do que pensava?
Lá para o final do Morangos, quando me falaram de um possível casting para uma novela seguinte, a “Doce Fugitiva”, percebi que queria muito fazer esse casting porque me tinha sentido muito realizada durante o ano e meio de Morangos. Estava a perceber que representar me estava a fazer muito feliz e que tinha de experimentar mais qualquer coisa. Não queria voltar para o Porto, queria ter outras experiências na representação. E estava a sentir um apego a Lisboa, uma cidade maior, e aos laços que tinha criado aqui em Lisboa.
Quando passou para as chamadas novelas de adultos, sentiu o estigma de vir dos “Morangos com Açúcar”?
Éramos catalogados, mas isso faz sentido.
E foi por isso que foi fazer formação?
Não era para compensar o ter estado nos Morangos, mas sim o facto de, por ter estado tão nova nos Morangos, e nunca mais ter parado, não ter tido oportunidade de estudar. E achava que, se me convidavam para projetos, não fazia sentido recusar, pelo menos não nesses primeiros anos. Mas sempre que posso faço pequenos cursos, em Portugal ou fora.
Já não lhe resta nada do sotaque do Porto?
Claro que sobra! Quando vou lá acima aos fins de semana, às segundas de manhã tenho sempre um sotaque mais pronunciado. Tal como se estiver lá. Ao início foi difícil ver-me livre do sotaque, até porque eu não reconhecia que o tinha. Foi por isso que me disseram para comprar um gravador e gravar-me a falar para me ouvir e perceber. São obrigações da profissão. O que foi engraçado foi que, na primeira vez que voltei ao Porto, achei super estranho o sotaque da minha irmã. Quando vivia lá não me apercebia.
Continua a ir regularmente ao Porto?
Claro. Já não vou todos os fins de semana, mas vou de 15 em 15 dias ou, no máximo, de três em três semanas. É importante para mim. Está lá a minha família e estão lá os amigos de sempre.