O posto de chefe de gabinete é o mais alto e um dos mais influentes cargos dentro da incontável lista de funcionários da Casa Branca, mas quando Donald Trump anunciou a escolha de Reince Priebus para tão grandiosa tarefa, poucos dias após a sua eleição, o protagonismo não se limitou a recair sobre o antigo chairman do Comité Nacional Republicano. É que no mesmo comunicado vinha anunciada – até em primeiro lugar – uma outra nomeação. Tratava-se da escolha de Steve Bannon, o ex-diretor de um site de propaganda nacionalista, supremacista e anti-globalista e o homem que concebeu toda a estratégia de campanha do magnata, para máximo conselheiro do presidente eleito, que ficava, assim, em pé de igualdade com Priebus, dentro do que viria a ser a administração Trump.
Com a inauguração da era do novo presidente dos EUA foram colocadas no papel, sob forma de ordens executivas presidenciais, as mais polémicas promessas de Trump, como a intenção de acabar com o Obamacare, o abandono do acordo comercial transpacífico, a aprovação dos projetos de construção de novos oleodutos, ou, mais recentemente, a suspensão do acolhimento de refugiados e a proibição da entrada no país de cidadãos de sete países de maioria muçulmana. Mas pelo meio foi também reestruturada a organização do Conselho de Segurança Nacional (CSN), o órgão responsável pelo aconselhamento do presidente em matéria de política externa e segurança interna – o seu desenho final confirmou a consagração de Bannon.
Sem qualquer experiência em cargos públicos ou em posições relevantes para a posição que ocupará, foi-lhe garantido um lugar cativo em todas as reuniões do CSN, tornando-se no primeiro conselheiro político da presidência, desde 1947, a gozar desse acesso privilegiado a informação sensível. Em sentido inverso, vários elementos do exército e dos serviços secretos perderam esse direito. “Steve Bannon não integra o staff da Casa Branca pelos seus conhecimentos em segurança nacional. Está lá porque foi um editor de sucesso, numa plataforma que ele descreve como alt-right [um movimento extremista alternativo de direita, que junta supremacistas brancos, neonazis e antissemitas], e que faz parte da base de apoio político de Trump”, diz ao site Politico Paul Begala, um ex-conselheiro do presidente Bill Clinton.
O Breitbart e a guerra contra o Islão
A passagem de Bannon pela Breitbart News e as posições por ele assumidas enquanto diretor daquele site, ajudam a abrir caminho pela mente do indivíduo que, embora evite ao máximo falar aos jornais e às televisões – a última vez que o fez catalogou a comunicação social norte-americana como o verdadeiro “partido de oposição” a Donald Trump e aconselhou-a a “manter a boca fechada” – e preze por manter uma posição discreta e recatada nos principais eventos da nova administração, consegue falar ao ouvido do presidente como ninguém.
Entre as diversas publicações de conteúdo antissemita, antifeminista, racista ou xenófobo, que se podem encontrar facilmente na página, a Breitbart foi o principal meio utilizado por Bannon para propagandear a sua aversão ao Islão, nomeadamente através das emissões de rádio. Foi nelas que pediu o fim do acolhimento de refugiados nos EUA, particularmente dos sírios – fontes citadas pela CNN, garantem que a ideia do “veto extremo” foi totalmente concebida na sua cabeça – ou que defendeu que a verdadeira guerra dos norte-americanos não é com a Rússia, mas contra a expansão da ideologia islâmica. Foi também através desta página, um verdadeiro veículo de produção e divulgação em massa de notícias falsas durante a campanha de Trump, que Bannon rotulou George W. Bush como “um dos mais estúpidos presidentes da história dos EUA”, por ter dito que o “Islão é uma religião de paz”. E foi igualmente ali que sugeriu, durante anos, que o presidente “Barack Hussein Obama” e a sua administração tinham interesse em “proteger a visão islâmica do mundo”.
Um caminho aos ziguezagues
Atualmente com 62 anos, Bannon estudou e fez carreira nos mais variados setores, antes de abraçar o projeto da Breitbart News. Nasceu em Norfolk, no estado da Virgínia, formou-se em Planeamento Urbano e especializou-se em Estudos de Segurança Nacional, antes de completar um mestrado na prestigiada universidade de Harvard, em Gestão de Empresas. Entre os anos 70 e 80 integrou a marinha dos EUA e esteve destacado numa frota norte-americana ancorada no Pacífico – posto que lhe ofereceu “um conhecimento tremendo do mundo e da situação geopolítica atual”, nas palavras utilizadas pelo assessor de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, para justificar a sua escolha para o CSN. Quando regressou a casa integrou o banco de investimento Goldman Sachs.
Enriqueceu e decidiu investir no setor do entretenimento, nomeadamente na popular série televisiva dos anos 90, “Seinfield”. O sucesso financeiro daquele e de outros programas levou Bannon a abandonar o setor bancário e a dedicar-se, a espaços, a uma carreira de produtor e realizador, em Hollywood, antes de fundar a Breitbart News, em 2007.
O sucesso na vida profissional não foi, no entanto, acompanhado por um trajeto semelhante a nível familiar. Casou-se três vezes e divorciou-se em igual número, sendo que após a segunda separação, foi acusado pela ex-mulher, Mary Louise Piccard, de violência doméstica e de se ter recusado a inscrever as filhas do casal numa escola frequentada por judeus.
A voz de Trump
A irredutibilidade revelada por Trump nas primeiras semanas de liderança, ao demonstrar que quer mesmo cumprir todas as promessas feitas durante a corrida eleitoral, particularmente as mais controversas, tem gerado natural preocupação no seio do Partido Democrata e levantado o sobrolho a vários republicanos.
Segundo uma fonte próxima da administração do novo presidente, a opção por esse caminho de confrontação que, para além dos protestos e manifestações de desagrado dentro e fora dos EUA, tem causado um verdadeiro caos administrativo, uma vez que se baseia em visões e ideias que esbarram de frente com o complexo sistema legal-burocrático norte-americano, é resultado direto da ação de Bannon. “Ele está a dizer a Trump que pode fazer tudo o que prometeu em campanha”, garantiu ao Politico.
A realidade é que o presidente não dispensa os seus conselhos, já que lhe atribui grande parte da responsabilidade pela sua própria vitória eleitoral. O agora conselheiro foi mestre em fazer chegar aos ouvidos da classe trabalhadora norte-americana uma mensagem forte, de enfrentamento contra os interesses instalados em Washington e de promessa de ‘entrega do poder’ às pessoas e Trump nunca deixará de lhe agradecer por isso. Para além de não esquecer a importância do seu papel, o magnata acredita que a sua eleição oferece ainda mais legitimidade a Bannon e, por isso, pediu-lhe que redigisse o seu discurso inaugural e que tomasse as rédeas dos assuntos mais polémicos.
A influência de Bannon sobre Trump não é palpável apenas nas decisões políticas ou nos discursos do novo líder dos EUA. Entre a oposição ao novo presidente há muito que se critica “a verdadeira voz” que está por detrás das suas excentricidades. A ex-embaixadora de Obama nas Nações Unidas, Susan Rice, acusou Trump de “gostar tanto dos militares, que os expulsou do CSN e colocou no seu lugar um nazi” e no auge dos protestos que alastraram pelos aeroportos do país e um pouco por todo o mundo, fruto da implementação imediata da ordem executiva de proibição da entrada de refugiados e de cidadãos de determinadas nacionalidades, os seus críticos entupiram o Twitter com a hashtag #StopPresidentBannon [“Parem o presidente Bannon”].
Enquanto Trump continuar a dar o corpo às balas e assumir as despesas das opções políticas que toma, Bannon não terá nada a temer. Mas a ausência de passado no Partido Republicano faz com que não tenha ali amigos, pelo que a sua presença depende exclusivamente da bondade e proteção do presidente. Quanto mais tempo vir o seu nome nos jornais, menos amizades ganhará, certamente, pelo que é na sombra que Bannon quererá manter-se.