Não há mesmo volta a dar, a relação entre o presidente dos EUA e o poder judicial norte-americano tomou conta do dia-a-dia da nova administração e, ao que tudo indica, assim deverá manter-se, por mais umas semanas (ou meses). Assumidamente envolvido num braço-de-ferro com a justiça – chamou “suposto juiz” ao homem que esteve por trás do bloqueio da ordem executiva que decretou a suspensão do acolhimento de refugiados e da entrada de cidadãos oriundos de sete Estados de maioria muçulmana no país, e acusou os tribunais norte-americanos de serem “demasiado políticos” e de estarem a “dificultar o trabalho” da presidência – Donald Trump testemunhou, no mesmo dia, uma vitória e uma derrota, no campo judicial.
Na quarta-feira, viu a maioria republicana no Senado confirmar a nomeação de Jeff Sessions para o cargo de procurador-geral e líder do Departamento de Justiça, e soube que um porta-voz de Neil Gorsuch atestou que o homem que escolheu para a vaga em aberto no Supremo Tribunal, havia catalogado os ataques de Trump aos tribunais como “desmoralizadores”, em conversa com o senador democrata Richard Blumenthal.
O primeiro acontecimento foi, sem dúvida, uma grande conquista para o presidente. Sessions – que prestou ontem juramento e entrou oficialmente em funções – foi confirmado com 52 votos a favor e 47 contra, após um longo dia no Senado, que incluiu uma interrupção à democrata Elizabeth Warren, durante o debate de confirmação do novo procurador-geral, e uma votação concebida para silenciar a senadora, justificada pelo facto de ter trazido à baila o passado mais polémico do ex-senador do Alabama, que inclui posições xenófobas e racistas.
Mas os comentários de Gorsuch podem revelar-se um obstáculo significativo para que a demanda de Trump, rumo à legitimação judicial da ordem anti-imigração, possa ser bem sucedida. A resposta do chefe de Estado foi dada através do Twitter, na manhã de quinta, com um alvo bem definido: o senador democrata que revelou, em primeira mão, os pormenores da conversa com o juiz. “O senador Richard Blumenthal, que nunca lutou na guerra do Vietname, como apregoou durante anos (grande mentira), vem agora desvirtuar aquilo que o juiz Gorsuch lhe disse?”, ironizou Trump naquela rede social. De acordo com o “Washington Post”, na mira do presidente está uma conferência de imprensa que Blumenthal foi obrigado a marcar, em 2010, para esclarecer que serviu o exército norte-americano “durante” a guerra do Vietname e não “no” próprio confronto armado, no final dos anos 60, tendo igualmente pedido desculpa por ter transmitido informações imprecisas.
prova de independência As palavras empregadas por Gorsuch, durante o encontro com Blumenthal foram confirmadas aos meios de comunicação norte-americanos por um porta-voz seu, pelo que, excluindo o presidente Trump, foram vários os representantes do Partido Republicano que não puseram em causa os termos utilizados, e que optaram por desvalorizar o seu caráter confrontacional e enfatizar aquilo que está a ser discutido há vários dias: a independência do poder judicial. “[As ‘críticas’ de Gorsuch às declarações do magnata “devem agradar bastante aos democratas. Demonstram que ele é uma pessoa totalmente independente e que defende a justiça”, disse o senador republicano Chuck Grassley, citado pelo “Politico”.
Neil Gorsuch foi escolhido por Trump para recuperar a maioria conservadora no Supremo Tribunal, mas ainda terá de ser confirmado pelo Senado, com votos favoráveis de representantes democratas, uma vez que a maioria republicana é insuficiente para garantir os 60 votos necessários. Declarações como as de quarta-feira podem agradar, de facto, aos democratas e chegarem para transformar esse agrado em votos, Trump só tem de agradecer. Mesmo que isso o impeça de continuar a pôr em causa a justiça norte-americana.