«Longe do olhar, longe da alma» é uma formulação mais poética e a tristeza profunda que se nota no olhar da pessoa retratada é uma melancolia que parece vir de dentro da alma. Talvez a intenção do artista fosse diferente da interpretação que eu lhe dei, mas aquilo que eu vejo, quando passo por este mural, é o rosto de um idoso com uma mágoa profunda de abandono, como se se sentisse vazio por estar longe do olhar daqueles de quem gosta e da vida que em tempos teve. Como escreveu Valter Hugo Mãe, numa crónica no Jornal de Letras: «Quem escapa ao abraço está em perigo no coração. Porque podemos inventar poemas com promessas afetivas mas o amor é também um exercício físico, precisa de gestos, precisa muito do reconhecimento contínuo e do amparo.»
Na sociedade em que vivemos, e que valoriza ideais como a juventude, a beleza e a utilidade do trabalho, ser-se velho é ser-se inútil, é ser-se um fardo para a família, que acaba por não saber bem o que fazer àqueles que já contribuíram para a sociedade, para educar os atuais adultos, para lhes dar amor e carinho, encher-lhes a alma.
Adotar medidas de proteção à terceira idade acaba por responsabilizar os mais novos, mas não contribui para os educar civicamente e lhes dar consciência de que, por respeito e por dever, tudo deveriam fazer para proporcionar uma vida digna aos que já muito fizeram pelos seus descendentes. Fechados em lares, que habitualmente cheiram a velhos, são impedidos de continuar a ter uma vida digna, aquela a que deveriam ter direito.
«Longe do olhar», acabam esquecidos, porque, como diz Isabela Figueiredo, em A Gorda, «o que fica longe da vista se vai inexoravelmente afastando do coração». Em hospitais (e até em bancos de centros comerciais!), em lares, em casas de repouso, talvez até repousem, mas com a sensação de que «todos» prefeririam que descansasse para sempre em paz. «Longe do olhar», ficam também «longe da alma» dos que deveriam acarinhá-los e longe da sua própria alma, acabando por definhar, por adquirir uma tristeza profunda, da qual, na maior parte das vezes, nunca recuperam.
Valter Hugo Mãe escreveu um livro sobre a vida de um grupo de idosos num lar, abandonados pelas famílias, que continuam a vida no exterior, e os visitam mais por obrigação do que por vontade. A Máquina de Fazer Espanhóis cria um universo em que esses idosos tentam sobreviver, alucinados pelas memórias que constroem, mas que lhes vão dando o fermento e o alento de que necessitam para viver. E a memória é um elemento crucial porque, como diz William Faulkner, em Uma Luz em Agosto: «A memória acredita antes de o conhecimento recordar. Acredita por mais tempo que recorda».
Tudo seria muito mais fácil se, em cada esquina, em cada beco, houvesse alguém disposto a ajudar, se houvesse mesmo, em cada esquina, um amigo.
Maria Eugénia Leitão
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services