Esperávamos um pijama. E, perante a sua ausência, passámos os primeiros minutos da conversa a debatermo-nos com a desilusão. Mas a verdade é que PZ não anda todos dias na rua de pijama. “Mas sempre que posso, e estou em casa o dia todo, estou de pijama. Mas desde que fui pai tornou-se mais difícil, já tenho de pensar nos exemplos que dou e tenho de sair do pijama”, diz, como que para nos deixar respirar de alívio. “Não quero nunca ter vergonha de assumir a minha infantilidade. Gosto de me rir de nós e da nossa condição humana, mas também de mim. Sei das minhas limitações e dos meus egoísmos, do que esta sociedade me faz. Mas não há seres perfeitos e há que aproveitar a vida porque só temos uma”.
No caso de PZ, a vida aproveita-se melhor de pijama e é uma chatice que os anos passem, que as obrigações cheguem e que, por vezes, não dê para andar de pijama. Mas, em jeito de matar saudades, é de pijama que continua a subir ao palco, que há coisas que, afinal, não mudam. Porque foi de pijama que PZ se tornou fenómeno, quando criava música a partir de casa, dominado pela preguiça. E quando saiu de casa foi para correr atrás de uma miúda com “Cara de Chewbacca”, “bem porreira”, ainda que “um bocado feia demais para o meu gosto”. Tema que se revelou viral, mas que fez com que acabasse acusado de sexista e chamado à provedoria da rádio pública. “O que é engraçado é que o pessoal da Antena 3 me pediu desculpa, envergonhados, e garantiram que iam sempre passar o tema. Nunca me passou pela cabeça que me fossem chamar de sexista. Surreal, mas também tem muito a ver com as redes sociais. O anonimato é uma coisa muito perigosa.”
A reação surpreendeu-o, mas nem por isso anulou o seu “que se lixe” característico, que afinal já lá estava no primeiro tema que lançou, em 2005, sob o nome PZ. “Já no ‘Sofá Efervescente’ digo ‘eu cago em toda a gente’. Foi a minha forma de dizer, logo desde o início, que ia fazer as coisas à minha maneira e não me interessava o que as pessoas iam pensar, porque sou como sou, quero fazer música à minha maneira, e… O resto que se lixe.” O mesmo “que se lixe” apareceu logo no primeiro single do álbum que acaba de lançar, “Império Auto-Mano”, o “Caga Nela”. Nela, na vida. “Atenção, não estou a falar de uma pessoa”, apressa-se a explicar.
Mais uma explicação, que PZ tem por norma muitas para dar, que a ambiguidade é a sua forma de estar na música, um culto alimentado que faz da palavra, que tem tanto de provocatório como de confessionário. “Não faço música para ofender, mas para tentar ser disruptivo, até comigo próprio. Porque consigo ser mais eu e exprimir-me de uma maneira melhor através da música e das minhas letras em discurso direto. Sou tímido e portanto isto acaba por ser uma ajuda, um escape, para deixar d e sair o que está cá dentro. A mim sai-me em forma de música”, confessa Paulo Zé Pimenta, que é o mesmo que PZ, que mais do que uma personagem inventada é uma espécie de Lado B do músico, que assim contraria os espartilhos da vida.
Menor esquizofrenia
Atualmente a apresentar o novo álbum – depois do Porto e de Famalicão seguem-se Coimbra (Salão Brazil, hoje) e Lisboa (Musicbox, amanhã) – PZ não esconde que o estado de espírito que vive é um misto de “ansiedade e alívio, mas também nervosismo, de quem finalmente viu o filho cá fora”.
Em “Império Auto-Mano” o músico de Mouquim, pequena freguesia de Famalicão, aborda esta nova era que vivemos, a era dos haters, em que tudo é automático e tudo se vive através das redes sociais. “Investe-se mais nisto tudo do que nas pessoas”, diz. O crítico de hoje, no entanto, é o mesmo que, no início do seu percurso, se serviu dessas mesmas plataformas para vingar. “Não quero ser hipócrita, mas acho que é preciso saber lidar com isto e sobretudo não nos deixarmos ser engolidos pelas máquinas.” E, para PZ, o mundo em que vivemos não tem sabido.
Por isso, naquele que considera o seu “álbum de maturidade” – “Se calhar ainda estou em lua-de-mel, mas é o que sinto neste momento. Quando oiço este álbum acho-o mais um disco completo, com dualidade e esquizofrenia normal, mas menor” – PZ avança, quiçá movido também pelo confiança inerente ao sucesso de “Mensagens da Nave-Mãe”, álbum anterior, de 2015, para abordar com a mesma mordacidade a banalidade da vida, a receita de lulas da avó ou “a vaga de terroristas que querem voltar a ter o império otomano, mas que são contra o que chamo império auto-mano”, o tal que é dominado pela máquina. Mas pelo meio o músico que é também produtor e mentor da editora Meifumado, não se esquece do norte de onde nunca saiu e que, sobretudo, nunca o abandona. “Mano, maninho são coisas do Porto e eu sou assim, sou do Porto, uso estas expressões. Não sou um mano nem um maninho, mas gosto de brincar com os diferentes modos de estar e diferentes personagens do Porto. Foi isto tudo que quis mistura neste álbum.” Ou seja, e já que a gastronomia nunca falta nos álbuns de PZ: uma pitada de ambiguidade, q.b. de infantilidade e mais uma pitada de esquizofrenia. Receita certa.