Antes, já Cristina Branco havia cantado um fado escrito pelo artista plástico, um eterno apaixonado pelo género musical. Tal como Cristina, uma não-fadista que canta o fado, e a ele lhe dedicou o seu amor quando, em cinco minutos, viu a sua vida mudar numa casa de fados improvisada em Benfica do Ribatejo.
Ela, que achava que tinha voz de rouxinol e por isso não ousaria nunca pôr-se no mesmo patamar de Amália Rodrigues, que descobriu quando tinha 18 anos e o avô lhe ofereceu ‘Rara e Inédita’. Antes disso já cantava, sim, mas agarrada ao cabo de uma vassoura, sozinha, no pátio de casa dos avós, numa língua que inventara. Nesses concertos imaginários era uma verdadeira estrela de plateias esgotadas. Mas nunca pensou que esse cenário se transformasse em realidade. Até aos tais cinco minutos em Benfica do Ribatejo em que finalmente a convenceram a cantar um fado em público. «Estava morta de medo, mas quando cheguei a casa tinha uma sensação de paz que nunca tinha sentido antes.» E logo deixou para trás o curso de Jornalismo, que estava prestes a terminar. «Acho que passei a minha infância e adolescência todas a fugir a uma voz, só que essa voz era tão preponderante que não houve como escapar. Era demasiado forte. Podia ter sido jornalista, mas era incompleta. A música, aqueles cinco minutos da minha vida em Benfica do Ribatejo trouxeram-me uma paz vital». Não mais parou de cantar, numa carreira que se fez primeiro na Holanda e só depois em Portugal.
Na reta final de 2016 lançou Menina, o seu 14.º álbum – que hoje apresenta no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Podia ser apenas mais um trabalho, mas revelou-se uma espécie de mandamento de uma cantora que se reinventou, escolhendo como cúmplices o mais jovem universo de músicos com que alguma vez colaborou, como é o caso de Filho da Mãe, André Henriques (Linda Martini), Cachupa Psicadélica, Ana Bacalhau (Deolinda), Kalaf (Buraka Som Sistema) e Jorge Cruz (Diabo na Cruz).
Foi a eles que apresentou um desafio em forma de carta de apresentação… de si própria: «Tenho pele morena e poucos cabelos brancos. Sou pequena, pés fincados no chão. Canto porque a vida mo ditou. Tenho dois filhos, um marido. Uma gata e um cão. Tenho força corajosa de marinheiro, para sulcar muitas mais vagas por uns bons anos. Venho de uma raça de gente que não desiste e não se esgota. Sou frágil, mas rebento como o mar na praia se forem injustos com os meus. Estou viva e durmo pouco, e então»? A resposta é a confirmação de uma menina-mulher-fadista-não-fadista, num hino feminista mas sobretudo feminino.