No entanto, apesar de, em cada esquina, não haver um inimigo, a maioria das pessoas não se preocupa demasiado com este coletivo a que se chama «os outros», com aqueles que não conhece, com aqueles com quem se cruza na rua. Muitas vezes, o que encontramos é, infelizmente, um sentimento de indiferença, e mesmo este sentimento não é nada agradável, porque ser-se indiferente é não sentir nada pelos demais, é não nos preocuparmos com a tristeza, a solidão, a pobreza ou a fome das outras pessoas.
Felizmente, há também muitos que se preocupam com aqueles que não conhecem e procuram ajudá-los, com «Boas maneiras da alma» (nas palavras de Álvaro de Campos), dando-lhes um pouco do seu tempo, seja visitando idosos em lares ou nas suas casas, recolhendo alimentos para aqueles que não os têm, dando explicações a crianças socialmente desfavorecidas, distribuindo refeições quentes a quem dorme na rua fria, seja apenas parando na rua para conversar com alguém que está só. São estas as pessoas que verdadeiramente dão sentido à vida e fazem com que ser-se humano seja realmente pôr em prática um conjunto de atos de humanidade. E há quem respire humanidade, há quem viva para ajudar o seu semelhante, mesmo que este não seja da sua família ou não faça parte do seu grupo de amigos ou, mesmo, de conhecidos. São estas as pessoas com quem importa cruzarmo-nos no dia a dia, com quem nos faz bem conviver.
Está hoje muito em voga falar de relações tóxicas, da importância de nos afastarmos das pessoas que nos «sugam» a energia positiva e nos consomem os sentimentos benéficos. Também se vendem muitos manuais de autoajuda, a maioria com conselhos baseados em banalidades, em afirmações que todos conhecemos, em teorias quase vazias de conteúdo. Mas, se todos estes livros se vendem é porque há pessoas ansiosas por se tornarem melhores e por serem efetivamente melhores. Porém, a verdade é que não são estes livros que realmente fazem a diferença. A grande diferença, tal como é hábito afirmar-se a propósito da educação das crianças, reside sobretudo no exemplo. Daí que, para nos habituarmos a fazer como Ricardo Reis aconselha – «Põe quanto és / No mínimo que fazes» –, e sermos realmente comprometidos connosco próprios e com o mundo que nos rodeia, o mais importante seja convivermos com pessoas que encarnam esse ideal de dedicação ou atenção aos demais.
Só conhecendo esta realidade e procurando seguir o exemplo das pessoas que efetivamente colocam os outros em primeiro lugar é que conseguiremos ser como postula Teilhard de Chardin: «só vivemos quando vivemos para os outros». E viver para os outros implica respeitá-los na sua dignidade, sejam homens ou mulheres.
Maria Eugénia Leitão
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services