Little Portugal é a zona onde residem e trabalham mais portugueses em Londres. Na margem do rio Tamisa, do outro lado do Big Ben fica Vauxhall, onde em cada rua e avenida se veem marcas de Portugal. Café Delta, bacalhau português, pasta medicinal Couto e queijo da serra da Estrela são alguns dos produtos que encontramos na mais antiga mercearia portuguesa desta zona. Nem jornais portugueses e revistas cor de rosa faltam. Chama-se Sintra Market e é gerida pelo tio Joaquim, como é conhecido entre as gente de cá, que, com 80 anos, vive e trabalha em Londres há 47.
“Quero uma Sagres.” Do interior do armazém, alguém pede uma cerveja ao tio Joaquim.
Ao contrário de muitos portugueses, o dono da mercearia portuguesa dá alguma razão aos britânicos por terem decidido sair da União Europeia. “Acho que, em alguns aspetos, eles [os britânicos] têm razão em querer sair da UE. Não vão perder nada e isso faz com que os imigrantes que estão às custas dos subsídios do governo, que não querem trabalhar, se vão embora. Pode ser que deem lugar a quem quer realmente trabalhar. Conheço um homem que vive cá há 20 anos e trabalhou apenas um ano, é desses exemplos que falo.”
Nesta zona de Londres onde se respira Portugal e se come (muito bem) comida portuguesa, encontramos Cristina Silva, natural de Aveiro, que vive em Londres há três anos com o marido e o filho. Não tem a mesma opinião do tio Joaquim.
“Lembro-me perfeitamente do dia do referendo de 23 de junho. Algumas semanas antes, eu própria ia fazendo a campanha a favor do remain à minha maneira, colocando posts no Facebook a apelar ao voto pela permanência e falando com algumas pessoas mais próximas. Ao contrário de muitos, para mim, o resultado final não foi uma surpresa, estava bem informada e sabia que o leave tinha grandes hipóteses de ganhar.”
Cristina recorda o dia seguinte ao do referendo. “No dia 24 de junho, o ambiente em Londres era horrível. Nos dias seguintes notou-se que o ambiente piorou e havia muitas pessoas indignadas.”
O clima de incerteza paira sobre os imigrantes, incluindo, claro, os portugueses. Cristina admite algum receio sobre o futuro da sua permanência no país, justificando que o governo não dá certezas de nada: “É como caminhar no escuro, o próprio governo da [Theresa] May está desorientado, não sabem o que fazer e isso passa cá para fora.”
“Neste momento, sinto que se vivem momentos de grande instabilidade e incertezas. Ninguém sabe o que se vai passar”, diz Cristina Silva, sem dúvidas de que “o Brexit vai ser um desastre para o Reino Unido”.
Em pleno coração de Londres, na fila para a compra de bilhetes de musicais encontrámos Paula Almeida, 31 anos, natural de Lisboa e a viver há nove anos na capital inglesa. Paula veio para Londres tirar mestrado em Física e Astrofísica e acabou por cá ficar, pois conseguiu arranjar de imediato emprego na sua área. É neste momento professora de Física no ensino secundário.
“Por vários motivos, preferia que o Reino Unido permanecesse na União Europeia.” O primeiro motivo é pessoal. “As viagens vão, provavelmente, ficar mais caras, há mais burocracias em termos de papelada como, por exemplo, um visto de trabalho.” Por outro lado, a professora residente em Londres justifica a sua posição contra o Brexit afirmando que seria, sem dúvida, o melhor para o Reino Unido e, consequentemente, para a União Europeia. “Londres e o Reino Unido no geral estão muito habituados a imigrantes nas suas empresas, cafés e restaurantes. Há muitas pessoas de outros países a trabalhar cá e, por isso, acho que financeiramente pode ser bastante dramático para Inglaterra.”
Não conhece nenhum caso de xenofobia em particular, mas nota outra coisa: “Um aumento da arrogância britânica, um sentimento de que não somos bem-vindos.”
Na quarta-feira, dia 1 de março, a Câmara dos Lordes decidiu incluir, no diploma que regula a saída do Reino Unido da União Europeia, uma emenda destinada a proteger os direitos dos cidadãos da UE que vivem no país.
As consequências da vitória do exit da EU, passados oito meses, ainda não são claras nem concretas, embora se receie que, na sua maioria, sejam negativas. As certezas não existem e tardam a chegar.
Depois de 43 anos a fazerem parte da UE, os britânicos decidiram colocar um ponto final como membros de pleno direito no dia 23 de junho, um dia histórico para o país e para a União Europeia. O Reino Unido votou pela saída da UE, o primeiro-ministro David Cameron demitiu-se, houve um abalo nos mercados financeiros e, em termos sociais, houve um crescimento de 41% dos crimes de ódio, segundo relatórios do governo britânico.
O exit ganhou com 52% dos votos, contra os 48% de eleitores que preferiam continuar como membros da UE.
Quebrou-se assim uma aliança que perdurava desde 1973, data em que o Reino Unido aderiu à então CEE.
Muitos britânicos receiam esta saída do Reino Unido da União Europeia, não sabem sequer como será a sua vida fora da UE. Mas não só os britânicos. Muitos imigrantes de todo o mundo, incluindo os cerca de 350 mil portugueses que residem no Reino Unido.
Para além das consequências económicas e financeiras, o Brexit veio preocupar bastante também a nível social. Os últimos dados dos relatórios do governo britânico desde o referendo apontam para um aumento dos crimes de ódio na ordem dos 41%. Esta questão social não deixa de preocupar os portugueses residentes no país com quem o i falou.
Há relatos de agressões físicas e verbais em transportes públicos e manifestações de britânicos contra os imigrantes.
Para além do aumento dos chamados crimes de ódio, o efeito do Brexit, apesar de ainda pouco notório, já se faz sentir nos aeroportos. Paula Almeida já viajou duas vezes desde o dia 23 de junho e em ambas, quando chegou ao aeroporto, foi-lhe perguntada a razão da sua residência em Londres, a empresa para quem trabalha e desde quando exerce essa função – coisa que nunca tinha acontecido até então.