A conferência de imprensa de Alain Juppé, na manhã de ontem, até podia ter interrompido o suicídio eleitoral do centro-direita francês. Bastava-lhe declarar que aceitava substituir François Fillon, que, é verdade, o bateu por muito nas primárias, mas agora não parece ter hipóteses de passar à segunda volta, será acusado na próxima semana de ter feito pagamentos indevidos à esposa e filhos, e, para se defender, lança-se em guerra contra o sistema judicial e jornalistas. Mas Juppé não o fez: “Confirmo de uma vez por todas que não serei candidato à presidência da República. Será isso que direi a Nicolas Sarkozy e a François Fillon se me procurarem.”
Em sete minutos, Juppé atirou por terra a grande esperança do centro-direita francês e do Les Republicains de terem um novo candidato que, ainda por cima, saltaria de imediato para a frente das sondagens caso substituísse o aparentemente condenado Fillon. A mais recente reviravolta nas eleições francesas, contudo, pode não evitar a queda do candidato atual, que no domingo reuniu em Paris uns 40 mil apoiantes, demonstrando que ainda tem o apoio dos meios ultraconservadores e avisando o partido de que substituí-lo a apenas seis semanas da primeira volta das eleições pode ter consequências. O Republicains reunir-se-ia ontem à noite para decidir uma saída da crise e, até ao fecho desta edição, não se sabia se optariam por continuar com Fillon ou se o forçariam a encontrar um sucessor, como defendiam nas redes alguns apoiantes do antigo presidente Sarkozy.
A decisão não será fácil. Aos Republicains cabe-lhes decidir entre continuar com um candidato de quem 70% dos franceses dizem que deve abandonar a corrida, ou optar por um novo nome que, no entanto, pode fragmentar o voto à direita, resultar na mesma derrota eleitoral e, pelo caminho, fortalecer as hipóteses de Marine Le Pen. A crise é tão gritante que o próprio Juppé quase fez pouco dela. “Quanto a nós, o centro-direita, que confusão! O resultado das nossas primárias foi incontestável. François Fillon, a quem garanti imediatamente e lealmente o meu apoio, tinha o caminho escancarado. Reafirmei o meu apoio várias vezes. [Mas] o desencadear da investigação e o seu sistema de defesa, fundado na denúncia de uma suposta cabala e de uma vontade de assassinato político, conduziram-no a um impasse.”
Para esse impasse, ainda não parece existir uma solução. Fillon, Juppé e Sarkozy – por estes dias o mediador entre a máquina partidária e a campanha de Fillon, o seu antigo primeiro-ministro – devem encontrar-se quarta-feira para procurarem uma saída para a crise, segundo noticiava ontem o “Le Monde”. Sem Juppé em cena, não parece haver sucessor consensual e Fillon, por muito condenado que pareça, pode mesmo aguentar-se na corrida até ao final – a sua campanha, aliás, prepara-se para anunciar uma nova equipa, depois do êxodo de mais de 200 funcionários e apoiantes na última semana.
Emmanuel Macron parece ter motivos para sorrir. Ninguém beneficia mais do que ele com Fillon – ou um desconhecido – na cabeça do centro-direita. Na semana passada, aliás, quando explodiam as notícias de que Fillon seria provavelmente acusado e que as suas casas eram alvo de buscas, o antigo ministro da Economia apareceu pela primeira vez no topo das intenções de voto. A sua campanha antecipava ontem que Fillon continuaria como candidato do Republicains. Já ele escusou-se a comentar a crise na direita. “O teatro a que vimos assistindo nos últimos dias não me diz respeito nem muda nada nas vidas das empresas”, lançou.