A conferência que gerou polémica por ter sido cancelada à última hora pela Faculdade de Ciência Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova, devido a pressões e “ameaças” da associação de estudantes, será realizada noutra universidade pública de Lisboa.
Quem o garante é a direção do movimento Nova Portugalidade, responsável pelo debate, agendado para ontem, que contava como orador o politólogo Jaime Nogueira Pinto. “Queremos prosseguir com a conferência. E recebemos vários convites de estudantes de outras instituições de ensino superior, até de Aveiro e Coimbra, para acolher a conferência”, disse ao i Hugo Dantas, um dos dirigentes do movimento Nova Portugalidade.
Também o politólogo Jaime Nogueira Pinto garantiu ao i que está “disponível” para fazer a conferência noutro local, ou até mesmo na Nova. “Não tenho nenhuma objeção. Só não faço esta conferência na Nova porque os diretores entendem que não se deve realizar, e eles é que são os donos da casa”, acrescenta o professor de Ciência Política e Relações Internacionais.
A iniciativa sob o tema “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen em debate” estava marcada há duas semanas e foi cancelada pelo diretor da FSCH, Francisco Caramelo, apenas um dia antes de se realizar, depois de ter sido aprovada uma moção, dos alunos da faculdade, que liga o evento a “argumentos colonialistas, racistas, xenófobos” ficando em “colisão com a mais básica democraticidade e inclusividade”.
Depois de terem conhecimento de algumas “ameaças” de alunos da faculdade, o diretor Francisco Caramelo acabou por ceder e cancelou o evento com justificação que “não estavam reunidas todas as condições de segurança”, contaram ao i Jaime Nogueira Pinto e Hugo Dantas.
No entanto, foram várias as instituções que entraram em contacto diretamente com o politólogo e com o movimento Nova Portugalidade mostrando disponibilidade para acolher o evento. Uma das instituições foi a Associação 25 de Abril que disponibiliza as suas instalações repudiando o comportamento dos estudantes.
Ministro quer garantir a “liberdade de expressão” O cancelamento de conferências em universidades públicas depois de “ameaças” de estudantes não é frequente em Portugal. E, por isso, caiu uma chuva de críticas à decisão do diretor da faculdade, merecendo até mesmo a intervenção do ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor.
Confrontado ontem no parlamento pelo PSD, durante uma audição na Comissão de Educação, Manuel Heitor disse que a primeira coisa que fez, assim que tomou conhecimento do cancelamento da conferência, foi “ligar ao reitor da Universidade Nova”, António Rendas.
O ministro disse que não é da sua competência “policiar as conferências que se vão realizando” mas que estando em causa a “liberdade de expressão” ligou imediatamente a Rendas “para perceber o que aconteceu e para que ficasse garantido que há liberdade de expressão nas instituições de ensino superior”, frisou Manuel Heitor. “Temos um ensino superior digno e responsável”, sublinhou o governante.
Ao i, o reitor António Rendas não comentou o cancelamento da conferência mas ao governante terá garantido que “estão reunidas as condições de segurança para que se realize a conferência”, contou no parlamento Manuel Heitor.
No entanto, o movimento Nova Portugalidade vai deslocar o evento para outra instituição.
O PSD diz-se “muito preocupado” quando “está em causa a liberdade de expressão” e se “censura a voz a quem não é de esquerda radical”, alerta a deputada Nilza de Sena para quem “não é um pormenor quando estas atitudes vêm de jovens e 43 anos depois do 25 de Abril”.
Também o CDS – que enviou duas perguntas ao governo – diz que o cancelamento é “inadmissível numa democracia estabilizada, sobretudo num meio universitário e académico, que é por natureza um meio de debate”, defende o deputado Telmo Correia, lembrando que “numa universidade toda a gente deve ser ouvida, toda a gente deve falar e discutir”.
Contactados pelo i os partidos de esquerda – PS, PCP e Bloco de Esquerda – não comentaram o sucedido. Mas, através do Facebook, o deputado Porfírio Silva escreveu que não fica “descansado” com o cancelamento da conferência “numa universidade por desconfiarem de que se iria dizer coisas reaccionárias. A democracia não é defendida pelos que apregoam defender a liberdade começando por cercear o seu exercício”.
Também o eurodeputado socialista Francisco Assis considera a decisão um “acto de censura”. Em seu entender, é “gravíssima e inadmissível” não “apenas a posição da associação de estudantes como a da direção da faculdade”.
Opinião partilhada pelo jurista João Taborda da Gama para quem o cancelamento se trata de “acto abjeto”, decorrente de uma “tentativa de pensamento único, que tem mais de único do que de pensamento”.
Na página oficial da faculdade, o diretor Francisco Caramelo escreve que a instituição “cultiva a liberdade de pensar e a reflexão crítica, atitudes fundamentais na formação do cidadão informado, responsável e preparado para o exercício das suas atividades profissionais e para a complexidade e dinâmica das sociedades atuais”.
Em comunicado, a associação de estudantes da faculdade quis deixar “bem claro” que a questão “não se prende com um silenciamento de divergências políticas nem com um ataque a qualquer orador convidado”.
Grupo invade faculdade a exigir explicações Ao final da tarde de ontem um grupo de 20 jovens, alegadamente neonazis e no qual estava apenas uma rapariga, invadiram a faculdade para exigirem explicações à direção pelo cancelamento da conferência. Não sendo possível pelo adiantado da hora (cerca das 19h30) o grupo que se identificou apenas como “Jovens Revoltados” dirigiu-se à associação de estudantes onde demonstrou o seu descontentamento. O grupo tinha membros dos 20 aos 30 anos e “a maior parte eram pessoas externas à faculdade”, contou ao i um dos membros da direção da associação de estudantes da FCSH.