A dignidade não está limitada ao stock

A Mercearia do Centro é como uma qualquer loja de bairro, mas o quilo de arroz paga-se com créditos em vez de moedas, trazendo autonomia às famílias carenciadas de Carcavelos.

Ir ao supermercado e escolher entre frango e peru ou entre cenoura e abóbora é uma coisa tão natural que não nos apercebemos da sua importância. E é esse significado, a dignidade do direito à escolha, que o Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos quer que faça parte da lista de compras de todas as famílias que recorrem à Mercearia do Centro.

O desemprego, a carência económica das famílias, a doença mental. Estes obstáculos estão em cada esquina e levam muitos a pedirem ajuda e a dependerem de instituições para poderem ter, pelo menos, uma refeição todos os dias. E era nesse sentido que o Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos entregava quinzenalmente um conjunto de produtos a dezenas de famílias. Mas a instituição quis fazer melhor e, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, das Lojas Recheio/Amanhecer e do Novo Banco Crowdfunding, conseguiu dar um passo de gigante.

A Mercearia do Centro é uma versão 2.0 dos cabazes do Banco Alimentar. A funcionar há quase três anos, este projeto pioneiro «surgiu da necessidade de melhorar o serviço de distribuição do apoio alimentar que era prestado às famílias através de cabazes», afirmou ao SOL Conceição Fernando, diretora-geral do centro comunitário, para quem este projeto permite, sobretudo, dar dignidade às pessoas.

O montante, 5.010 euros, que o Centro Comunitário angariou através da plataforma de crowdfunding do Novo Banco, contribuiu para o arranque do projeto e consequente abertura da ‘loja’. Permitiu a aquisição de equipamentos de refrigeração, prateleiras e o programa informático que gere os stocks e faz os ‘pagamentos’.

 

Comprar ‘a crédito’

A mercearia funciona como outra qualquer loja de bairro só que, «em vez de dinheiro, os géneros são adquiridos com créditos atribuídos, tendo em conta o número de pessoas do agregado familiar», explicou a responsável. Ao todo são cerca de 200 famílias que recorrem à Mercearia do Centro para adquirir todo o género de bens. «Tentamos ter todo o tipo de produtos básicos que existem nos supermercados», sublinhou Conceição Fernando ao SOL, acrescentando que os produtos mais procurados são «leite, arroz, massa, produtos de higiene e para bebé, azeite, ovos, carne e peixe».

A mercearia está aberta diariamente, de segunda a sexta, e os clientes são as famílias acompanhadas pelo Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos. O projeto ‘fura’ assim a lógica assistencialista ao atribuir maior autonomia e responsabilidade a cada pessoa, para uma melhor gestão doméstica e de recursos. Aliás, a forma de funcionamento deste apoio às famílias visa também combater o desperdício.

Os produtos do cabaz tradicional não se podem adequar às necessidades de todas as famílias. Seja por razões culturais, religiosas ou de saúde as pessoas comem coisas diferentes. Uma das grandes mais-valias da mercearia é a possibilidade de cada família escolher o que realmente precisa.

Os géneros alimentares são provenientes das remessas do Banco Alimentar Contra a Fome e dos donativos que chegam através da comunidade, em especial da campanha ‘Vizinhos com Alma’, um conjunto de pessoas que contribuem com oferta de géneros. Por outro lado, Conceição Fernando reconhece que as carências das famílias da zona são muitas. Nem sempre conseguem disponibilizar «os produtos suficientes para assegurar as necessidades básicas de cada família», em especial laticínios, produtos de higiene, carne e peixe. Mais informações em www.centrocomunitario.net.