‘Espírito europeu’ superou arrufo polaco

Tusk foi reeleito líder do Conselho Europeu, contra a vontade do seu próprio país. Posição irredutível da Polónia alastrou para as habituais conclusões.

Para a História vai ficar a reeleição concludente do polaco Donald Tusk como Presidente do Conselho Europeu, mas a decisão tomada pelos líderes dos governos dos (ainda) 28 Estados-membros da União Europeia, na cimeira da passada quinta-feira, foi estranhamente conturbada. Desde que foi criado o cargo, oficializado com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 2009, todas as eleições para a presidência daquele órgão tinham sido decididas por aclamação – além do próprio Tusk, em 2014, o belga Herman Von Rompuy, em 2009 e 2012, fora igualmente apontado com o apoio de todos os países.

Desta vez, porém, houve quem não quisesse o polaco por mais 20 meses à frente do Conselho Europeu, naquela que foi uma oposição alegadamente baseada em zangas antigas e de natureza interna. A campanha foi liderada por Beata Szydło, primeira-ministra da Polónia e chefe do executivo nacionalista do Partido Direito e Justiça (PIS), que tentou de tudo para impedir a reeleição do Tusk. Acabou derrotada, isolada e humilhada pelo ‘espírito europeu’.

«Não poderia ter havido um substituto [para Tusk]», defendeu François Hollande, questionado pelo Politico sobre a hipótese, levantada pelos polacos, de apresentar o eurodeputado Jacek Saryusz-Wolksi como alternativa ao ex-primeiro-ministro da Polónia, para a liderança do Conselho Europeu. «Não seria condizente com o ‘espírito europeu’», justificou o Presidente de França.

O ‘espírito europeu’ – esse conceito tão difícil de explicar, mas que, de acordo com os europeístas mais fanáticos, se respira pelos corredores de Bruxelas e Estrasburgo – não atravessa propriamente dias de grande vivacidade. O crescimento brutal do euroceticismo, alimentado pelo Brexit, levou inclusivamente o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a traçar cenários para a UE, em vez das habituais orientações programáticas. Mas as palavras de Hollande demonstram bem como os líderes dos 27 Estados-membros que aprovaram a reeleição – a Polónia foi mesmo a única que votou contra – tinham poucas razões para não prolongar o vínculo de Tusk.

A Chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo, catalogou o trabalho do polaco como «admirável» e confessou não conseguir encontrar razões para a sua substituição no cargo, «particularmente num momento em que a UE ainda tenta recuperar da onda de crises». Além do apoio de quase todos os representantes dos Estados-membros, também os principais grupos parlamentares do Parlamento Europeu estavam de acordo com a reeleição de Donald Tusk. Ao Partido Popular Europeu (PPE), ao qual o polaco pertence, juntaram-se vozes de aprovação oriundas da Aliança Progressiva dos Socialistas e Democratas (S&D) e da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE).
Ainda assim, e apesar de o Tratado de Lisboa exigir uma maioria qualificada na votação para a chefia do Conselho Europeu, Merkel não quis deixar de defender a importância da unanimidade: «A procura pelo consenso é importante. Mesmo não estando dependentes da unanimidade […] devemos sempre tentar chegar a um acordo que tenha a aprovação de todos».

Polónia isolada e ofendida

Outrora apontada como o principal caso de sucesso da integração europeia, pela forma bem-sucedida como decorreram as reformas estruturais no país, após a implosão do bloco soviético, a Polónia atravessa, neste momento, um caminho de solidão no seio da UE, e a insistência na oposição a Tusk vem reforçar essa posição marginalizada, apenas partilhada, atualmente, com a Hungria de Viktor Orbán. 

Por trás da afronta de Szydło ao seu próprio compatriota, acusado pelo executivo polaco de se estar aproveitar da sua posição na União para fazer campanha contra o Governo, está uma rivalidade antiga, que envolve o atual Presidente do Conselho Europeu e Jaroslaw Kaczynski – o líder do PIS e o homem que concebe as linhas orientadoras para a governação –, e que remonta aos tempos em que estavam em lados opostos da barricada política na Polónia. O momento mais tenso, numa relação crispada de confronto político, deu-se em 2010, após um desastre de avião, na Rússia, que matou o ex-Presidente e irmão gémeo de Kaczynski. Tusk era primeiro-ministro na altura e foi fortemente criticado pelo seu opositor, por não ter forçado uma investigação mais profunda ao acidente, particularmente devido aos rumores sobre o alegado envolvimento da Rússia.

A Polónia fez tudo para impedir a reeleição. Além de propor Wolksi, tentou convencer outros países a votar contra Tusk – nomeadamente o Reino Unido e a Hungria – e ainda pediu um adiamento da votação. Rejeitadas todas as soluções e confirmada a escolha da maioria dos Estados-membros, só ficava a faltar o tradicional documento da presidência do Conselho Europeu, com a apresentação das conclusões da cimeira. Mas ao contrário do habitual, também aquele não conseguiu reunir a unanimidade do órgão comunitário, já que o Governo polaco, ofendido pela forma como foi ultrapassado, mostrou-se indisponível para colaborar. Como tal, Tusk não teve outra opção senão esclarecer, no início do documento, que o mesmo «não reuniu o consenso por razões alheias à sua substância» e que as referências ao termo ‘Conselho Europeu’ «não devem ser entendidas como se implicassem uma aprovação formal» daquele, «atuando enquanto instituição». Uma conclusão pouco condizente com o ‘espírito europeu’, diga-se.