O Ministério da Educação vai enviar orientações às escolas para proibir a oferta de manuais escolares aos professores do básico e do secundário dentro dos estabelecimentos escolares.
O SOL apurou que o gabinete do ministro Tiago Brandão Rodrigues prepara-se para proibir que as editoras enviem para as escolas mais do que um manual por disciplina. Só será permitida a entrega de um livro, para que seja analisado durante o processo de escolha dos manuais a adotar.
A decisão da tutela está a chegar aos ouvidos pelos professores através dos representantes das editoras, numa altura em que estão a ser escolhidos os livros para os 2.º, 6.º, e 12.º anos de escolaridade para o próximo ano letivo. «Os representantes das editoras andam nas escolas a dizer que não podem entregar mais do que um manual por disciplina», confirmou ao SOL, o professor Paulo Guinote.
A decisão está a gerar forte descontentamento entre os docentes ouvidos pelo SOL, que não foram avisados antecipadamente. A instrução terá sido dada verbalmente pela Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, numa reunião com a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) em que participava também o Secretário Geral da Educação, Raul Capaz Coelho.
Clima de suspeição
A orientação da tutela vai chegar às escolas depois de terem sido divulgadas, em Janeiro, duas reportagens polémicas – uma da RTP, no programa “Sexta às Nove” e outra da TVI – que diziam que, alegadamente, as editoras oferecem «brindes» aos professores de forma a condicionar a escolha dos manuais escolares. No caso da RTP foi dito que as editoras, alegadamente, oferecem «brindes» e manuais escolares de que os professores «precisam para os filhos». Já a TVI adiantou que as editoras entregam às escolas «quadros interativos, computadores e até equipamentos de suporte de vida».
Na altura, questionado pelo i, o Ministério da Educação frisou que «reitera a confiança relativamente ao trabalho que os docentes realizam nas suas escolas» e que, caso chegassem ao conhecimento da tutela, casos «que possam configurar algum tipo de irregularidade no sistema educativo», estes seriam «remetidos à Inspeção-Geral de Educação e Ciência, para o tratamento devido».
Para os professores, o aperto das regras agora conhecido tem uma leitura precisamente oposta: revela que, afinal, o ministério «desconfia» dos docentes.
Questionada pelo SOL,a APEL não teceu qualquer comentário sobre as orientações do Ministério da Educação. Já o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues disse apenas que «as ofertas de manuais escolares aos docentes estão reguladas no decreto-lei n.º 47/2006».
Editoras contornam lei
Este diploma, com mais de uma década, já não permitia que as editoras enviassem para as escolas mais do que um manual por cada disciplina, algo que agora a tutela vai reforçar junto das escolas. A legislação proíbe «qualquer atividade promocional dirigida aos professores suscetível de condicionar a decisão de adoção, designadamente a que inclua a oferta de manuais escolares, bem como de qualquer outro recurso didático-pedagógico». Além disso, a lei também impede «o desenvolvimento de atividades de promoção de manuais escolares e de outros recursos didático-pedagógicos dentro do recinto dos estabelecimentos de ensino», lê-se no artigo 22º.
Paulo Guinote, professor e blogger na área da Educação, admite que o maior controlo dentro das escolas acaba por levar as editoras a encontrar formas alternativas para apresentarem os seus livros. O envio de manuais para casa, que já acontecia, é uma das hipóteses, assim como a organização de eventos fora dos estabelecimentos escolares. «Estamos a receber das editoras uma quantidade enorme de convites para apresentações de projetos em hotéis», diz Guinote.
Ao SOL, os professores tecem duras críticas à decisão da tutela. «Acho errado», diz perentoriamente o presidente do Conselho de Escolas (CE), José Eduardo Lemos. O responsável considera que a decisão da tutela revela «desconfiança sobre os professores». Opinião partilhada por Paulo Guinote que questiona se o Ministério da Educação «considera os professores corruptos».
«As editoras devem oferecer os manuais que quiserem e os professores devem receber os livros que quiserem. O ministério ou o Estado não têm nada que se intrometer na relação entre uma empresa privada e um cidadão, que é professor», diz o presidente da CE, órgão consultivo da tutela. Mais, José Eduardo Lemos diz ainda que «se há alguma suspeita do relacionamento indevido ou ilegal entre qualquer empresa e os professores que se investigue e atue».
José Eduardo Lemos lembrou também que o manual «é uma ferramenta de trabalho do professor» e que por isso, «não é justo» que os docentes «tenham de comprar o manual para escolher qual irá adotar ou para trabalhar».
Também o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, defende que «as empresas são privadas e que, se quiserem oferecer os manuais, o Ministério da Educação não tem nada que ver com isso».
Já Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), diz que as escolas acatarão a lei, mas frisa que «os professores têm de ter acesso aos manuais de forma a escolherem o melhor a adotar».
Até agora, durante o período de análise dos manuais escolares, as editoras enviavam para as escolas um livro por cada professor da respetiva disciplina. A eleição do manual é votada, registada e justificada através de um formulário de forma a que a direção da escola aprove a escolha do livro.