É o dia de mercado na praça monsenhor Nolens, em Venlo, pequena localidade holandesa situada perto da fronteira com a Alemanha, e que viu nascer Geert Wilders. Nesta pequena localidade, com menos de 35 mil habitantes, um eleitor em cada quatro vota no Partido da Liberdade (PVV) do filho pródigo da terra. Nas ruas, militantes do partido distribuem panfletos. Embora admitam ao “Le Monde” que a situação económica não é má de todo, acham que as pessoas estão “chateadas”.
Há um sentimento de insegurança e de fim de festa, dizem, que as sondagens mostram de uma forma contraditória: por um lado mais de 90% dos holandeses considera-se “feliz” ou “muito feliz”; por outro, há uma cada vez maior reação negativa à imigração. Nos últimos 30 anos chegaram à Holanda cerca de 1,4 milhões de migrantes não-europeus, eles que agora são cerca de 2 milhões, num total de 17 milhões de habitantes.
Nas ruas de Venlo, Ruud e Neelie, mulher e marido cinquentenários, explicam os seus medos ao jornal francês. O homem diz que se sente “muito holandês”, mas que a situação do país “lhe dá tristeza na alma”. A mulher é menos poética, mas concorda com o sentimento do marido e teme que os filhos deles venham a viver pior que eles, e aponta os dedos aos imigrantes que estão a “destruir” a Holanda. Fala em “zwarte scholen”, as escolas abandonadas pela população branca, que aos seus olhos tornaram-se o símbolo da explosão dos guetos e do falhanço da política de integração dos imigrantes.
A Holanda liberal em Amesterdão A realidade de Venlo é transversal a várias outras regiões holandesas, e contrasta com a ideia da Holanda moderna, vanguardista e desagrilhoada de quaisquer escrúpulos, aberta ao mundo e à Europa, personificada em Amesterdão. Descrita pelo escritor Russell Shorto como a “cidade mais liberal do mundo” (“para o bem e para o mal”), conta com mais de 2,4 milhões de habitantes, representantes das mais variadas nacionalidades, religiões e etnias, e é conhecida pelo papel pioneiro na conceção de várias ideias e formas de estar que foram mais tarde copiadas em algumas partes da Holanda e até fora do país.
Ali pensou-se, pela primeira vez, na integração das bicicletas – o meio de transporte de excelência no país – no caótico trânsito da cidade, por exemplo, bem como na legalização da marijuana. E, claro, nas célebres coffee shops. Amesterdão liderou igualmente o combate ao fumo do tabaco em espaços fechados, fez campanha contra as indústrias poluentes e apelou a uma maior diversidade e qualidade de alimentos biológicos. A cidade é provavelmente a mais conhecida do país, pelo que a recriação das ditas coffee shops e das famosas ruas do Red Light District, onde se acotovelam casas de prostituição e sex shops, noutros aglomerados urbanos da Holanda, com maior ou menor relevância, são o resultado evidente de um modelo turístico de sucesso, mais do que de uma aclamação de identidade comum.
Tal como em Venlo, a presença em Amesterdão de holandeses de ascendência turca, indonésia ou marroquina, ou de imigrantes de todos os cantos do globo foi trazida para o debate público. A vitória de Wilders ali é, no entanto, pouco provável. “A união de todas as forças políticas para travar o racismo entronca na ideia de liberdade e tolerância que converteu a cidade num modelo para o mundo”, escreve o jornalista Guillermo Altares no “El País”.
A ideia de uma invasão muçulmana perpassa pela Holanda, mas está longe de ter uma confirmação nas estatísticas. A percentagem de muçulmanos a viver no país não ultrapassa o 6% e, destes, apenas um quarto vai à mesquita todas as semanas. O movimentos populistas, como PVV de Wilders, vivem da existência dos mais pequenos elos de ligação com a realidade, aos quais acrescentam pequenos factos que os possam extrapolar para algo mais. O assassinato do líder da extrema-direita Pim Fortuyn, no final dos anos 90, e do cineasta anti-islâmico Theo Van Gogh, apunhalado por um islamista em 2004, são exemplos deste último elemento. Com eles, Wilders reforçou a sua propaganda de medo, ao postar nas redes sociais mensagens como aquela que partilhou horas depois do atentado à feira de Natal de Berlim, em dezembro do ano passado. Através do Twitter, o líder do PVV divulgou uma imagem de Angela Merkel com sangue nas mãos, alocando a responsabilidade da tragédia à política de acolhimento de refugiados da chanceler alemã. “Geert não percebe as consequências deste tipo de mensagens”, lamentou o seu irmão Paul, pedindo desculpa pelos excessos do irmão. Têm as palavras os restantes holandeses.