Na sala há apenas duas coisas: cadeiras dispostas numa roda e chão de alcatifa cinzenta, pormenor que até dá jeito tendo em conta que a primeira indicação de Raul é: “Vá, tirem os sapatos, quero todos de meias e confortáveis.”
O sotaque brasileiro não se esconde nas frases que variam entre o discurso preparado e o improviso do momento. Afinal, são mais de cinco mil os workshops dados, mas as 18 caras de hoje são como uma tela em branco que Raul de Orofino quer preencher com emoções. “Vamos trabalhar o hemisfério direito, o das sensações, da intuição”, avisa, “mas vamos trabalhar esse lado através do físico.” Identificam-se as primeiras expressões de desconfiança sobre o que se vai passar nas 14 horas de formação que se seguem. “São exercícios estranhos, aviso já, o melhor é não pensar, só fazer.”
À sua frente, Raul de Orofino já teve bancários, rececionistas, diretores e gerentes e até trabalhadores fabris. Desta vez, a equipa é de vendedores de carros, mas a lógica que guia a sessão é sempre a mesma: trabalhar a inteligência emocional é fundamental para o mundo dos negócios. “Ainda por cima, vocês escolheram lidar diretamente com pessoas, têm que saber ler o que vai além do que é verbalizado.” E é por isso que os primeiros exercícios dispensam palavras e pedem apenas uma troca de olhares, o que para muitos se apresenta mais difícil do que debitar todo um discurso. Começa-se pela experiência de três segundos, passa-se para a de cinco e o derradeiro teste acaba com mais de um minuto a olhar para os olhos de quem não se conhece. “Foi uma eternidade”, ouve-se, quase num respirar de alívio assim que Raul dá ordem para uma pausa.
Falar menos e ouvir mais Raul é fã do ato de parar para ouvir – “mas ouvir mesmo” – e é por isso que nas suas sessões ninguém fala por cima de ninguém. “A civilização ocidental fala muito e ouve pouco”, garante, “temos que contrariar isso.”
Apesar de apregoar o silêncio, nunca fez dele modo de vida. “Eu era aquele menino que falava e fazia toda a gente ouvir-me, já no recreio da escola era assim.”.
Esses palcos improvisados cedo começaram a ser pequenos e rapidamente Raul passou para o teatro, onde foi ator e encenador, especializando-se em levar peças a palcos improváveis. A esse desembaraço natural juntou a capacidade de se fazer ouvir como poucos para começar a partilhar conhecimento através de palestras e workshops. E é por isso que, desde 2010, leva a empresas um workshop de inteligência emocional durante o qual mistura exercícios que, apesar de físicos, ativam os afetos e as emoções.
Aprender a comunicar Continuamos sem falar. Mas a premissa agora é que, mesmo sem troca de palavras, o olhar seja suficiente para comunicar movimentos e conseguir fazer um jogo de aproximação e afastamento com a pessoa à nossa frente. Depois de uns primeiros tropeções, a linguagem acontece e a sala quase se transforma numa pista de dança coordenada. “E não é que conseguimos mesmo comunicar sem falar?”, salienta Raul.
Depois de cada exercício, reúne o grupo numa roda, para perceber como cada um interpreta os exercícios. “Parece que já se passaram dias desde aquela primeira troca de olhares tão constrangedora”, comenta Paulo. Ainda assim, há quem aponte os cigarros fumados no coffee break como os responsáveis pelo à-vontade da segunda parte da manhã. “Eu trabalho p’ra cacete e vocês me dizem que foi do cafezinho?”, brinca Raul.
A gargalhada geral é o mote certeiro para falar de humor. “Não quero que vocês parem de falar e contem uma anedota ao cliente”, diz Raul, “mas mantenham o bom humor, até porque o mau humor, como vai para todas as células, causa doenças.”
E como ninguém quer uma gripe nos próximos dias, é com vontade que se levantam para o último exercício da manhã. Para não estragar a surpresa para grupos futuros, deixamos só uma nota: são várias as vezes que os nomes de cada são gritados na cara uns dos outros. É como diz o outro: “Parece que já se passaram dias desde aquela primeira troca de olhares tão constrangedora.”