Tenho de começar por perguntar como tudo isto cresceu ao ponto de um adolescente de 18 anos se ter tornado um especialista sobre toda uma geração, que por acaso é a sua.
Estava a estudar gestão na Universidade do Texas, mas não me cheguei a licenciar. Era uma rapaz de 18 anos quando escrevi o meu primeiro livro para esta geração que ainda nem era conhecida por Millennials, mas apenas por Geração Y.
Como é que um adolescente escreve um livro “Graduate to your perfect job”(1997) para a sua geração?
Na altura decidi que tinha de escrever este livro porque queria ajudar os meus amigos. O que estava a acontecer é que eu, apesar de só ter 18 anos na altura, estava a ter acesso a oportunidades de trabalho muito boas, o que não estava a acontecer com o resto das pessoas que conhecia. Tudo o que queria fazer era ajudá-los a perceber que não importa qual é o teu contexto ou de onde vens, a verdade é que tu podes ir lá fora e procurar um trabalho se souberes o que queres e o que fazer. O grande problema é que ninguém nos ensina a arranjar trabalho e eu aprendi da forma mais difícil. Por isso achei que podia escrever um livro sobre como foi ir à luta por um emprego que realmente se gosta.
Ficou conhecido depois do lançamento do livro.
Sim, comecei a ser convidado para imensos programas de televisão bastante conhecidos, como o “Today Show”, passei a dar entrevistas para jornais sempre sobre esta nossa geração e o que é que os empregadores precisavam de saber sobre nós. Nós temos de compreender os empregadores, mas eles também têm de perceber como é que funcionamos enquanto profissionais. Fui escrevendo mais livros e a aparecer mais, até que isto evoluiu a um ponto em que comecei a dar palestras por todo mundo, a fazer consultoria para empresas que viam na nossa geração um desafio.
Foi aí que criou o seu centro de investigação?
Exatamente. Começámos a desenvolver imensas investigações a um nível muito avançado, sempre com o intuito de ajudar as pessoas a desmistificar todas as generalizações sobre uma geração que não era, nem é ainda, bem compreendida.
Assim proporcionámos a informação que comprova ou não o que as empresas e os indivíduos encaravam como verdades. Surgiu o nosso centro de investigação “The Center for Generational Kinetics” com acesso a dados de todo o mundo que tem como intuito ajudar as organizações a perceberem quem são os Millennials, como é que se pode dar-lhes emprego, como dirigir o marketing para eles, mas também ajudar os Millennials a conhecerem as outras gerações.
Foi uma vaga de profissionais completamente diferentes a chegar ao mercado de trabalho.
Exatamente. Durante vários anos peguei na minha experiência e escrevi para os jovens da Geração Y sobre como encontrar um bom emprego, sobre como é que poderíamos descobrir o que fazer com as nossas vidas. Mais ou menos há 10 anos, grandes empresas começaram a contactar-me e a pedir ajuda, porque estavam a contratar pessoas da minha geração mas não sabiam como lidar com elas, diziam que os estavam a deixar malucos. (risos)
Compreensível, no mínimo. O que lhes fazia mais confusão?
Diziam-me “Ei nós não sabemos como lidar com esta gente, as calças caem-lhes pelo rabo, ainda dependem dos pais, querem imenso tempo livre, não parecem leais, querem logo chegar a gerentes e a posições de liderança, mas depois querem mudar de trabalho passado um mês. Precisamos de ajuda”. Ora, isto fez-me pensar: Será que isto é mesmo verdade? Não quis assumir que esta fosse a realidade e foi isso que me fez juntar uma equipa e recolher informação de empregadores de todo o mundo, desde dados governamentais, a qualquer outro tipo de informações que pudéssemos recolher para nos ajudar a descobrir se os Millennials eram assim tão diferentes e se sim, como e quão diferentes são das anteriores gerações.
Mas esta geração está em desenvolvimento. Os Millennials de há dez anos são diferentes dos de hoje.
Absolutamente. Tocaste num ponto fundamental. Há muita gente que pergunta “quem são os Millennials?” e as respostas costumam rondar : “Oh são aqueles miúdos de 25 anos que se sentam em cafés, calçados com havaianas” mas o que sabemos é que os Millennials são agora muito mais velhos, alguns já estão a meio dos 30. É importante perceber que eles apesar de crescerem, continuam a fazer parte da mesma geração. Não deixam de ser Millennials só porque já passaram os 30 anos. E tem de se entender que as pessoas vão evoluindo, vão crescendo e isso significa que estão a passar por diferentes estádios da vida. Conforme vão passando por novos estádios, começam a ter um aspeto e um comportamento diferente em função deles. Estamos sempre a evoluir.
Lembro-me que numa das suas palestras dizia que as gerações não são caixas fechadas. Sabemos que os Millennials nasceram entre a década de 80 e meio da década de 90, mas existem dois tipos de Millennials.
É mesmo isso que nós vemos. Há mesmo dois grupos diferentes de Millennials: o primeiro que encontra estabilidade, segue em frente com as suas carreiras, famílias, fazem coisas que se enquadram mais nos padrões tradicionais. Mas depois há outro grupo que está a lutar por fazer aquilo que nós chamamos de ganhar “tração no mundo”, em que realmente pensam e sentem que podem avançar e ganhar alguma orientação e algum controlo nas suas ações, nas viagens, enquanto atravessam um mau bocado a tentar perceber como se podem encaixar no mundo dos adultos. O que é mesmo interessante de verificarmos é que estes dois grupos esforçam-se para se identificarem um com o outro, porque os de 30 e poucos anos, que já têm trabalho e a vida mais ou menos orientada, esforçam-se por se identificarem com os de 30 anos que andam a viajar pelo mundo, ou vivem com os pais, ou já nem arranjam um trabalho há mais de dois anos.
Estamos numa época em que se fala de liberdade criativa, na possibilidade de se seguirem os sonhos, no empreendedorismo como salvador do mundo. Quão perigoso e frustrante pode ser este sonho que toda gente tenta vender aos Millennials? Estes conceitos não podem ter tanto de tentadores como de perigosos ?
Sim, são muito perigosos porque eles só contam uma parte da história. O que se andou a dizer a esta geração é que se eles acreditassem, se sonhassem, podiam alcançar o que quisessem, que se estabelecessem os seus objetivos podiam alcançar tudo. Mas ninguém lhes disse “nem toda gente consegue…ainda tens de trabalhar no duro, ainda vais falhar muitas vezes, ainda vais ter de tentar muitas vezes, vai ser muito difícil e nem toda gente vai gostar de ti e das tuas publicações nas redes sociais”. (risos) Essa paz de adversidades não foi uma boa mensagem para nós.
É esta a parte em que se culpam os pais?
Sem dúvida, é exatamente nesta altura que culpamos os nossos pais. Nós dizemos “vocês fizeram-nos isto, vocês deram-nos troféus só por aparecermos”
Nesta geração toda a gente cresceu a achar-se especial.
Exatamente, e a parte engraçada é que esses mesmos pais que superprotegeram, agora são os mesmos que se queixam que os filhos não saem do sofá e não conseguem arranjar trabalho.
Isso leva precisamente ao próximo ponto, que é sobre o facto de dar a sensação que as antigas gerações não levam esta a sério.
É verdade e isso deve-se à perceção que há de que os Millennials não se vão dar ao trabalho de fazer tudo o que está ao seu alcance para serem bem sucedidos. As gerações mais velhas esforçam-se imenso para tentar compreender isso, até porque eles comparam o lugar onde eles estavam na idade dos filhos, o que é errado. Porque é suposto serem lugares completamente diferentes. Há uma expressão que nós usamos recorrentemente que é o “contexto geracional” que significa “a habilidade de entrar noutra geração e olhares para a tua noutra perspetiva”. E isso é muito difícil de as pessoas conseguirem fazer. É muito difícil para os mais velhos tentarem considerar o mundo através dos olhos dos mais novos, assim como é difícil para os Millennials olhar para o mundo com os olhos dos mais velhos. E quando conseguimos ensiná-los a fazer isso, aí há um mútuo respeito, paciência e entendimento. Mas é mesmo difícil de o conseguir e é preciso muita dedicação.
De alguma forma parece que a geração dos avós, ou seja os “Babyboomers”, percebem melhor esta geração em concreto, do que os próprios pais, que pertencem à Geração X, com quem os Millennials partilham uma enorme discrepância geracional. Como isto aconteceu?
O que nós vemos é que os Millennials confiam mais na geração dos avós. E nós concluímos isso nas nossas investigações, porque olham para os mais velhos como muito éticos, leais, bons ouvintes e como pessoas muito pacientes. Ou seja, são basicamente perfeitos para os Millennials, há um equilíbrio perfeito. Enquanto os nossos pais representam o oposto. Eles dizem-nos o que fazer, querem disciplinar-nos, impõe regras e ao mesmo tempo dizem “não te preocupes com isso, tens aqui outro cartão de crédito”. Isto é tudo muito confuso. (risos)
Os Millennials são os primeiros filhos da globalização. Quais são as maiores consequências disto?
As maiores consequências passam por um instinto de ligação com tudo o que está a acontecer em lugares diferentes do mundo que lhes chegam através das redes sociais. De repente é toda uma geração a ver eventos através de uma plataforma, seja ela qual for. Isto dá-lhes a visão de um mundo mais coeso, em vez da imensa quantidade de tempo que outras gerações tinham de ultrapassar para receber um terço da mesma informação. Enquanto por um lado há esta enorme conexão, ao mesmo tempo acho que os Millennials estão mais conscientes sobre o que se passa no mundo, porque o facto de termos alta tecnologia a preços acessíveis faz com que sejamos uma geração que tem todos os problemas do mundo no bolso. Neste momento, alguns deles debatem-se com o facto de terem de dar uma volta ao protecionismo dos pais, através do internacionalismo, o que faz com que muitos -enfrentem uma luta interior, porque este não foi o mundo que eles imaginaram enquanto cresciam. Mas, para outros, a grande maioria, a visão sobre a globalização é muito mais pragmática: a globalização é tudo o que eles sempre conheceram, por isso já cresceram a saber que iriam ter de ser da dimensão mundo e não da dimensão cidade.
Quão pesado pode isso tornar-se para estes jovens? Parece que a depressão e a ansiedade são preços a pagar por tanta oferta de possibilidades e de tanta informação.
Absolutamente. O que está a acontecer é que com o crescimento das redes sociais, há uma constante comparação entre as vidas uns dos outros, faz-se a universidade a saber que as coisas a partir daí só vão ser dificultadas, porque também têm informação sobre as más condições que os outros no mundo lá fora estão a enfrentar em que se trabalha tanto e se ganha tão pouco. Tudo isto cria um clima de ansiedade em ser-se bem sucedido, que logicamente atrai uma enorme quantidade de stress a todo este grupo de pessoas. Ainda se torna pior quando outros Millennials estão efetivamente a ter sucesso e partilham isso. Aí começa o processo em que duvidam deles próprios. Imensos estudos à volta da Europa têm mostrado que a ansiedade está presente de uma forma dramática na população dos vinte e poucos anos, que começam a sentir-se presos a uma determinada situação e não conseguem ver-se livres dela.
Em alguns dos vossos estudos fala-se da descrença que estes jovens enfrentam em relação à democracia, sobre o cansaço que sentem face à forma como funciona o sistema. O que se pode esperar dos Millennials enquanto adultos?
É verdade que eles reclamam sobre a forma como os países são governados – eles não aceitam o papel que os governos têm na vida deles em termos do que é que os governos vão proporcionar e do que era suposto proporcionarem. E mesmo dentro desta geração há um enorme desentendimento político. Então, vai ser interessante observar se isto se traduz ou não em abstenções gigantes, o que nuns sítios acontece, mas em muitos outros não tem acontecido. Há uma imensa discussão sobre qual é e qual deveria ser o papel do Estado, sobre o grau de satisfação perante os sistemas de liderança, há ainda a presença em protestos e manifestações mas em muitos casos não se vê assim tanta atividade ou a possibilidade de uma revolução de voto através da abstenção.
Mas há agitação política.
Há sim uma grande partilha de opinião através das redes, mas o que eu acho é que assim que eles envelhecerem, que tiverem mais posses e que puderem usufruir de uma maior experiência profissional, então irão exercer maior influência no mundo político e no Estado. Podem ainda não ter as respostas, mas tenho a certeza que nos próximos 10 a 20 anos vamos poder ver a Geração Y a passar da conversa à acção. Aliás, vai ser muito interessante ver as misturas de gerações no mundo político, o que já está a começar a acontecer.
O que tem a dizer aos elementos da sua geração, aos que são bem mais novos que si, que ainda fazem parte daquele grupo que disse estar mais perdido?
A maior lição que aprendi foi a da resiliência. Temos de ser pacientes, tudo leva o seu tempo. Devemos estar abertos a outras formas de pensar, a outras perspetivas. Temos sempre o que aprender com os outros. A vida está longe de ser fácil ou justa, é preciso escolher como lidar com ela, porque essas respostas vão condicionar o resto de toda a nossa vida.