Dois ataques ao longo de apenas algumas horas reavivaram na manhã de ontem os mal sarados fantasmas franceses de um quotidiano terrorista sangrento. Primeiro, uma pequena bomba artesanal numa encomenda enviada para os escritórios do FMI em Paris, que se detonou ao abrir, ferindo sem gravidade a cara e mãos da funcionária que se encarregava da correspondência. Ontem estava ainda sob observação médica, sobretudo devido ao dano causado nos tímpanos. Horas depois, era quase uma da tarde em Grasse, a algumas dezenas de quilómetros a leste de Nice, um jovem de 17 anos entrou no seu liceu, Alexis de Tocqueville, armado com uma espingarda automática, uma pistola, um revólver e duas granadas, procurando o diretor do estabelecimento. Pelo caminho deixou feridas sete pessoas. Algumas com os estilhaços das granadas que lançou indiscriminadamente. Outras pelo amontoamento na fuga. Chegado ao diretor, o jovem atacante disparou pelo menos uma vez contra o braço deste, sem contudo causar choque no líder da instituição. “Ele mostrou um sangue-frio incrível”, contou o aluno Mathias ao jornal “Nice-Matin”. “Estava demasiado longe para entender o que lhe dizia, mas o diretor continuou calmo, mesmo depois de ter sido atingido por um primeiro tiro. Apesar do chumbo no braço, continuou a tentar chamá-lo à razão.”
Os dois ataques de ontem despertaram os meios rápidos das autoridades francesas, ainda em estado de emergência, um ano e meio depois dos atentados terroristas em Paris. Equipas de resposta rápida foram enviadas para os escritórios do FMI e para o liceu em Grasse, onde o jovem foi detido sem resistência e foi lançado um alerta de atentado para os telefones de quem estivesse nas proximidades do estabelecimento, alertando para as movimentações policiais e aconselhando a população a manter-se fora de vista, sobretudo por receios de que existisse um segundo atacante em fuga. Assentada a poeira, porém, o governo francês ocupou-se de dividir as águas e afirmar que o ataque contra o liceu não parece estar relacionado com organizações terroristas e que o próprio ato não devia ser considerada um atentado. Tudo porque o jovem estudante mostra ter uma obsessão por armas e tiroteios americanos como o que ocorreu em 1999 no liceu de Colombine, no Colorado. “[Foi] um ato palerma de um jovem frágil e fascinado por armas”, disse Najat Vallaud-Belkacem, elogiando a coragem do diretor do Alexis de Tocqueville.
François Hollande, prestes a abandonar o Eliseu e finalizar o mandato mais impopular da v República, recorreu ao termo “atentado”, mas para descrever o pacote explosivo enviado para os escritórios do FMI. “Estamos diante um atentado, não há outro termo para designar uma encomenda armadilhada”, disse o presidente francês. O órgão antiterrorismo da polícia parisiense iniciou uma investigação e ontem à noite falava-se de dois suspeitos gregos, ligados a meios anarquistas. Hollande, para além disso, falou dos dois ataques para justificar o estado de emergência ainda em vigor desde os atentados de Paris, renovado cinco vezes no parlamento, servindo de base legal para 68 detenções domiciliárias vigentes e cerca de 20 buscas mensais sem mandado do tribunal – deram-se 18 em dezembro, por exemplo, mas chegaram a registar-se cerca de 300 nos dias que se seguiram aos ataques na capital. O próprio ministro francês da Justiça afirma que há condições para revogar o estado de emergência, mas Hollande afirmou ontem que ele se manterá pelo menos até 14 de julho. “Acontecerá o suficiente até lá para andarmos vigilantes”, disse.