Quando foi votar, o líder da extrema-direita, Geert Wilders, avisou que independentemente dos resultados dos sufrágios, «não era possível voltarem a colocar o génio na garrafa», e que hoje ou amanhã, o país e a Europa iriam sofrer «uma revolução patriótica». Ao que parece, pelo menos na Holanda, a revolução de Wilders não é para os próximos dias. O seu partido ficou com 13% e 20 deputados, longe dos 20% do partido mais votado, os liberais de direita do atual Primeiro-Ministro Mark Rutte, e ainda mais longe de dominar a política nos Países Baixos. Aliás, se alguma coisa caracteriza a política holandesa, é esta incapacidade dos partidos mandarem sozinhos no Governo.
A divisão começa nas urnas e naquilo que levou os eleitores a votar. Segundo as sondagens, os votantes do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia (VVD), de Rutte – o partido que ganhou as eleições, embora perdendo 8 deputados, ficando com 33 lugares – não privilegiam, por exemplo, a questão da imigração. Para eles situação económica favorável foi o principal motivo que os levou para voltar a confiar no líder do Executivo. Nas preocupações dos eleitores da segunda força política mais votada, o Partido da Liberdade (PVV), de extrema-direita, de Wilders – que ficou com 20 deputados, subindo cinco desde as eleições de 2012 – o motivo central do seu voto foi o que se pode chamar como ‘o medo dos outros’. Temem os imigrantes, os refugiados, a integração europeia e o terrorismo, e a perda de identidade do seu país num mundo globalizado.
Já os eleitores que votaram nos ecologistas de esquerda do GroenLinks, fizeram-no pelas suas propostas na defesa do ambiente, a sua luta pelo ensino público de qualidade e a sua batalha pelas reformas dignas dos mais idosos. Segundo a sondagem realizada à boca das urnas, da IPSO, a queda de 29 deputados dos trabalhistas (PvdA) – que passaram de partido de Governo tradicional à posição marginal de sétimo partido, elegendo menos 30 deputados – deve-se ao facto de os eleitores reconhecerem que outros partidos estão mais habilitados que eles para se baterem pela justiça social e o crescimento económico, bandeiras habituais dos sociais-democratas. Com uma amostragem de 3000 pessoas, a sondagem revelava ainda que em Rutte votaram 60% dos seus tradicionais apoiantes, e nos sociais-democratas apenas 20%.
Este inquérito, divulgado pela televisão pública holandesa, também demonstra as dificuldades que Mark Rutte vai ter, em conseguir formar um Executivo que tenha o apoio de mais de 76 dos 150 deputados do parlamento holandês, e que consiga fazer desta manta de retalhos de vontades algo de coerente como programa de governo.
Os derrotados
A coligação governamental atual perdeu grande parte dos deputados, com o eclipse eleitoral do PvdA. Os sociais-democratas, de Jeroen Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo e Ministro das Finanças do Governo holandês, pagaram a fatia de leão do descontentamento popular. Os eleitores de esquerda parece não terem gostado do seu enfeudamento à política da Chanceler Angela Merkel e o cargo europeu de Dijsselbloem está em risco. As regras exigem que o Presidente do Eurogrupo faça parte do Governo do país e as probabilidades de o PvdA vir a integrá-lo são muito ténues.
Outro grande derrotado destas eleições é o homem que conseguiu mais votos e aumentou a sua representação em número de deputados. Parece um contrassenso, mas não é. A extrema-direita tinha a expectativa de se tornar o primeiro partido da Holanda, uma vez que em 2016 havia sondagens que lhe davam mais de 40% das intenções de voto. No fim da noite, o PVV ficou-se por 13,1% dos sufrágios e elegeu 20 deputados. Apesar disso, Wilders reivindicou uma vitória e defendeu que os cinco deputados a mais lhe dão legitimidade para ambicionar «co-governar o país», e, se isso não for aceite pelo VVD, ele estaria disposto, ainda assim, a apoiar o governo. Ainda assim, na quarta-feira, dia do sufrágio, Wilders havia sido mais claro sobre o que pretendia das eleições: «A dinâmica é do lado daqueles a que eu chamo partidos patrióticos, mas qualquer que seja o resultado destas eleições, o génio não regressará à garrafa e esta revolução patriótica vai-se produzir. Se não for hoje, será amanhã». Para já, como já dissemos, ficou para depois de amanhã.
Recomposição da esquerda
A grande novidade destas eleições foi, então, o crescimento dos verdes, que passaram de 4 deputados para 14, tendo ganho as eleições na mítica cidade de Amesterdão. Com esse triunfo verificou-se, na Holanda, uma recomposição da esquerda. A ele se somam a ‘PASOKização’ dos trabalhistas, a manutenção da força da extrema-esquerda – com ligeira queda de um deputado – , representada pelo partido socialista (SP), e a irrupção, no parlamento, de um partido que quer representar os imigrantes, maioritariamente oriundos de países muçulmanos: o Denk.
O resultado alcançado pelo ecologista Jesse Klaver, aquele que a imprensa internacional teima em chamar o ‘Justin Trudeau holandês’ ou que o circunspecto Le Monde aponta como o novo John Fitzgerald Kennedy, porque tem as mesmas iniciais no nome – Jesse Feras Klaver -, dá aos verdes a ambição de poder participar no Governo dos liberais de direita. Resta saber que programa vão fazer em conjunto. Se, em termos da ecologia, as coisas até se podem compor – Rutte disse na campanha ser favorável a medidas ecológicas, desde que «não fossem uma história de esquerda», o problema são mesmo as medidas económicas. O líder dos verdes pretende um programa fiscal, baseado nos ensinamentos do economista Thomas Piketty, que faça uma melhor redistribuição dos rendimentos: «A Europa tem de ser para todas as pessoas, e não apenas para os ricos, que não fazem mais do que tornar-se ainda mais ricos» – posições que certamente não farão as delícias do primeiro-ministro liberal de direita.
Establishment europeu aliviado
A maioria das reações dos líderes europeus não escondeu o sentimento de alívio pela derrota da extrema-direita, que teima em ameaçar o establishment europeu. Jean-Claude Juncker, por exemplo, considerou que o desfecho da corrida eleitoral de quarta-feira foi uma vitória dos holandeses, que apoiam as «sociedades livres e tolerantes», enraizadas nos «valores que a Europa defende». Numa carta publicada quinta-feira de manhã no Twitter, o Presidente da Comissão Europeia rotulou ainda o resultado como «uma inspiração para muita gente».
Se Juncker foi subtil nas recomendações aos próximos países que irão às urnas – a França decide a escolha do próximo Presidente no final de abril (primeira volta) e início de maio (segunda volta), e a Alemanha vota um novo Chanceler e Bundestag em setembro -, o líder do grupo parlamentar europeu Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) não teve problemas em apontar o dedo e garantiu que a derrota de Wilders é um aviso à Frente Nacional francesa. «As pessoas querem políticos construtivos e de confiança para governar os seus países. É por isso que Le Pen também vai falhar», escreveu Guy Verhofstadt nas redes sociais.
O Presidente francês François Hollande também utilizou o Twitter para reagir ao triunfo de Rutte e congratulou o Primeiro-Ministro pela «vitória clara contra o extremismo», ao passo que Merkel, citada pelo britânico The Guardian, catalogou o resultado como «muito pró-europeu». Numa conferência na quinta-feira, a Chanceler alemã descreveu o dia anterior como «um bom dia para a democracia». Já Martin Schulz, o seu adversário na corrida à liderança do Governo e ex-Presidente do Parlamento Europeu, confessou ter ficado «aliviado» com os resultados eleitorais na Holanda. Os votos ditarão que ideias acabarão nas urnas.