Fala-se muito de mercados hoje em dia. As oscilações diárias enchem os nossos ecrãs e multiplicam-se comentários que propagam a primeira narrativa que aparece. Compreendo as situações em que a restrição de tempo não permita uma visão abrangente, porém observo demasiadas vezes uma mensagem adulterada por agendas que pouco contribuem para a compreensão.
Recuemos à eleição americana. O comportamento observado pós-eleição é um exemplo de como uma explicação incompleta rapidamente se transforma em verdade absoluta. Segundo a tese ex-post, os movimentos de vários mercados deveram-se exclusivamente à eleição do republicano. Olhando para as promessas de campanha é natural que algumas – a serem cumpridas – possam beneficiar o PIB americano, mas este é apenas um ramo dum tronco maior. Para se deduzir a psicologia do mercado convém dar dois passos atrás e alargar a perspetiva. Neste caso o que se pôde observar nos meses imediatamente anteriores foram vários indicadores a apontar para uma aceleração do crescimento global e preços de ativos que teimavam em não ajustar a essa realidade. Os investidores estavam presos pela incerteza de um sufrágio que se realizava em pleno período de sondagens descredibilizadas. Bastou apenas chegarmos à conclusão deste evento para que os mercados se atropelassem para capitalizar em toda a informação que faltou descontar. A questão central foi mesmo o ajustar desse backlog, e não apenas a palavra de Trump – que vale o que vale.
Neste caso a imprecisão em torno da ponderação de variáveis é difícil de identificar dado o respetivo impacto direcional apontar para o mesmo lado. Um problema de dissonância apenas se revela quando as variáveis implicam trajetórias opostas, como noto na recente incompreensão face a um período em que o défice português continua a baixar, mas em que as taxas das obrigações persistem em níveis elevados. A simplificação redutora, em estilo semelhante ao ‘efeito Trump’, condensou ex-ante a questão genérica de taxas ao nível de défice – porém existem questões que nesta fase assumem maior relevância.
O que pesa sobre as taxas e spreads nacionais é o facto de um investidor que considera comprar dívida a 5, 10 ou mais anos estar mais preocupado com a questão estrutural e não somente com o bom momento cíclico que se vive no presente. O valor de défice atual é bem-vindo mas fulcral será a capacidade de continuar o processo de transformação da economia para que possa resistir nos períodos em que os ventos exteriores não sejam tão favoráveis.
O mercado olha para a governação do país e do bloco europeu para determinar se cada um terá a vontade política para dar mais passos concretos em direção a maior sustentabilidade económica. Os governantes sabem muito bem quais as reformas necessárias, mas os incentivos ao nível das suas clientelas têm-se sobreposto sempre às decisões de longo prazo. Perante esta parálise política – precisamente no ponto do ciclo em que as reformas seriam mais fáceis de executar – o mercado teme uma oportunidade perdida para o país e mostra-se renitente em investimentos mais robustos.
Ricardo Seabra
Gestor de portfolio multi-activo no BIG – Banco de Investimento Global
(Todas as opiniões são estritamente pessoais e podem não reflectir a visão da instituição)