Guilherme Rosa vive na capital inglesa há 15 anos e é o único político português em Londres. Eleito vereador em 2014 no município londrino de Lambeth – onde um terço do eleitorado é português – acredita que, se o referendo se realizasse hoje, o desfecho seria diferente.
Veio para Londres com o intuito de ser político?
Não, não. Isso só aconteceu muito depois de cá chegar. No ano em que cheguei a Londres tive quatro trabalhos: na Agência Portuguesa do Ambiente, numa estação de serviço numa autoestrada, num café em Notting Hill e numa delicatessen – loja de iguarias. Meti-me na política em 2006, na secção do PS, onde fiquei como representante.
Imaginou que o referendo onde os britânicos iriam decidir a saída ou não do Reino Unido da UE se fosse realizar, ou isso parecia-lhe uma realidade distante?
Quem anda na política há algum tempo já sabia que era uma grande asneira se fizessem o referendo, por isso até agora todos os governos se inibiram de o fazer. A principal razão é que é muito complicado dar às pessoas, de uma forma muito populista, a hipótese de votarem numa lei tão importante com uma pergunta só de “sim ou não”. Todos os governos tiveram medo e o David Cameron fez o erro de palmatória da sua carreira política. Não tinha nada que fazer isto, não foi frio o suficiente para perceber que se ia meter numa grande alhada.
Cameron convoca o referendo e com a vitória do Brexit demite-se. Porquê?
Porque falhou redondamente. O próprio prometeu que se o Brexit ganhasse se demitia. Toda a gente neste país achava que o Remain iria ganhar, 99%, até os ‘brexistas’. Curiosamente, ou não, ninguém fez planos absolutamente nenhuns de como seria sair da União Europeia. Zero. Os pró-Brexit queriam o referendo para chamar a atenção para alguns direitos que achavam essenciais, consequentemente, contra os imigrantes. Os ‘brexistas’ consideram que nós fazemos o que nos apetece, que não trabalhamos, e por isso considero que o Brexit foi um ressabiamento nacionalista.
David Cameron não tinha condições para continuar como primeiro-ministro?
O Cameron nunca poderia continuar no poder, a lógica de política britânica não o permitia. Tornava-se num político tão fraco que eles nunca o deixavam operar. Os partidos da oposição levavam de imediato a um golpe de estado.
Tentou fazer uma campanha pró-Remain juntos dos portugueses. Por que sentiu essa necessidade?
Isso não teve nada a ver com a minha atividade política. Fiz isso a título pessoal, como não havia mais ninguém fui para a frente, como é hábito dos portugueses, um povo corajoso. A questão é a seguinte: em primeiro lugar, o debate sobre o referendo resvalou muito para um conceito de criar chacota sobre os imigrantes, ou seja, o imigrante era um alvo super fácil. Pensavam: “Eles é que andam aqui a abusar do sistema, eles é que nos roubam os trabalhos mais dignos, eles fazem o que querem, nós [britânicos] não temos de aturar esta gente”. Ou seja, criou-se um bode expiatório contra os imigrantes. Nós somos pessoas orgulhosas, somos trabalhadores, contribuímos brutalmente para a economia do Reino Unido, não nos podemos esquecer disso. A forma como os imigrantes estavam a ser tratados na campanha pró-Brexit era uma afronta. Como segundo ponto, a razão para levar a cabo esta campanha foi o facto de os europeus não terem oportunidade de votar. Acho bastante injusto uma pessoa que esteja cá há dez anos não ter direito a expressar a sua opinião. Onde é que está a justiça nisto?! Se os europeus tivessem oportunidade de votar, seguramente o Brexit teria perdido.
Como funcionou essa campanha?
Tentei arregimentar a comunidade portuguesa para a campanha. O que apelei foi a que, apesar de não poderem votar, apoiassem ou tentassem convencer os seus colegas e amigos britânicos a votarem Remain por uma diversa lista de razões. Era o máximo que podíamos fazer…
O que falhou?
Da parte do Remain não houve uma união grande como deveria ter havido e como houve por parte dos Brexistas. Houve um ataque muito populista feito aos imigrantes e os britânicos, por serem muito patriotas, foram na “cantiga”.
A campanha pró-Remain foi mal planeada? Foi isso que levou à derrota do “não”?
A campanha do Remain foi uma campanha falhada porque utilizou argumentos racionais, lógicos, economicistas e o Leave utilizou sobretudo argumentos emocionais, patrióticos. Foi um pouco como a campanha do Trump…
O Brexit favorece o Reino Unido?
Para mim, é a pior decisão que alguma vez o Reino Unido tomou na história moderna, foi um tiro no escuro que eles deram. Um passo atrás gigantesco.
Quais serão então as consequências da saída do Reino Unido da União Europeia?
As consequências principais para a União Europeia são sem dúvida o facto de esta decisão abrir precedentes noutros países e poder criar o efeito ‘dominó’. É por esta razão que a UE agora quer dar um sinal de dureza para afirmar de certa forma que se mais algum país quiser sair poderá sofrer algumas consequências, a todos os níveis. No que diz respeito às consequências para o Reino Unido acho o seguinte: eles vão entrar nesta loucura, ficam dez anos em total estagnação económica e o país não irá conseguir crescer, e daqui a dez anos irão pedir de joelhos para que os deixem voltar a pertencer à UE. Nessa altura irão sujeitar-se a qualquer medida, acredito até que poderão aderir ao Euro como moeda única. Aí irão perceber o erro fatal que cometeram. Isso vai acontecer quando a nova geração política entrar no poder. O Reino Unido exportar para o resto do mundo, fazer acordos com o resto do mundo é tudo uma falácia enorme, não tem lógica em termos de globalização, porque o grande parceiro do Reino Unido é a União Europeia e isso irá perder-se. O Brexit é o suicídio económico do país, como disse George Osborne [político conservador e chanceler do Tesouro].
Outra questão que surgiu com a saída do Reino Unido da UE seria o medo do aumento de casos de xenofobia…
Logo a seguir ao referendo soubemos de alguns casos porque houve, nesse primeiro mês, tudo o que era invejas, ressabiamentos foram despoletados, então andaram completamente loucos. Morreu um polaco, o que fez com que a Polícia acordasse para o problema e começou então a combater este crime de uma forma muito ríspida. Eu acho que não há tantos casos como inicialmente se esperava, e ainda bem. Porém nota-se que os britânicos se tornaram, de uma maneira geral, mais agrestes com os europeus, viram a cara, mandam bocas… Isso começou a verificar-se cada vez mais depois do referendo. Se casos mais graves se verificassem as pessoas uniam-me mais e o governo teria de intervir.
Recebeu denúncias de portugueses?
Algumas… principalmente no interior do país, aqui em Londres não. O caso mais grave ocorrido com portugueses foi de uma senhora ter sido empurrada para o chão por uns miúdos ingleses e foi cuspida e pontapeada. Há, no entanto, um caso que me está a preocupar bastante. Há um polícia que é muito zeloso em relação aos portugueses. Ele implica bastante com os donos de um café português aqui na zona e consequentemente com os seus clientes, também todos portugueses. Estas pessoas são alvo de palavras infelizes por parte deste elemento policial, coisa que não acontece com o café do lado, inglês. Este é um caso muito infeliz a passar-se com portugueses. É sem dúvida um problema ético deste polícia.
A nível burocrático identifica algumas diferenças?
Sem dúvida. Houve um aumento enorme no pedido dos certificados de residência permanente e há quem chegue ao extremo de começar a pedir a nacionalidade inglesa. Criou-se um mega movimento de pessoas a pedir este certificado de residência permanente. O Home Office consegue tratar 50 mil pedidos por mês e tem cerca de 600 mil, número que tem vindo a aumentar desde o referendo. Devido ao elevado número de pedidos, as respostas não são dadas em tempo útil, o que faz com que as pessoas recorram a advogados ou a pseudo-advogados para acelerar o seu processo burocrático de 80 páginas. Normalmente este pedido custa 65 libras por pessoa ao Estado, mas os advogados privados levam entre 400 a 1000 libras por tratar do processo. É uma economia paralela criada com o Brexit…
Como vê a situação política neste momento no Reino Unido?
Está uma tempestade. Em termos políticos há uma convulsão enorme, as regras da política que eram antes consensuais não se aplicam, há um clima de tensão muito grande.
Se houvesse um novo referendo…
O Remain ganharia, de certeza absoluta. Mas eu não sou apologista que haja um novo referendo, acho mesmo que isso é impossível de acontecer, isso criaria um problema de credibilidade governamental, ou seja, não era reconhecido o poder do Estado. O problema está criado, a instabilidade política está criada. Resta-nos esperar.