A desaprovação do comportamento seguido pelos países da Europa do sul que, aparentemente, gastaram as suas poupanças “em copos e mulheres”, antes de irem “pedir ajuda” financeira aos irmãos do norte, trouxe o impronunciável nome de Jeroen Dijsselbloem para as primeiras páginas da imprensa nacional e internacional, mas o (ainda) ministro das Finanças da Holanda não é propriamente um estreante em frases insultuosas ou controversas. Que o diga Jean-Claude Juncker, catalogado pelo (ainda) presidente do Eurogrupo, em 2014, como um “inveterado fumador e bebedor”, ou essa entidade intangível, habitualmente designada simplesmente como ‘os mercados financeiros’, quando, no ano seguinte, Dijsselbloem – pronuncia-se ‘déi-cel-blum’ – provocou um verdadeiro terramoto nos ditos, ao afirmar que as diretrizes europeias, utilizadas para lidar com a crise financeira do Chipre – que incluíam, por exemplo, o contributo dos depositantes no salvamento dos seus respetivos bancos –, serviriam de modelo para futuros resgates financeiros.
O agora presidente da Comissão Europeia – na altura liderava o cargo que o holandês está prestes a abandonar – foi obrigado a divulgar um comunicado a desmentir as palavras de Dijsselbloem, proferidas de forma leviana num programa de televisão do seu país, mas perdoou-lhe o descuido numa conversa a dois, ao sabor de uma chávena de café. A realidade é que, com mais ou menos polémica à mistura, a reputação do holandês nunca foi posta em causa junto dos seus pares. E há, pelo menos, uma boa explicação para isso.
Quando foi nomeado para chefiar o clube dos Estados-membros integrantes da Zona Euro, no final de 2012, Dijsselbloem era um verdadeiro desconhecido na montra europeia, mas a boa impressão que causou junto do todo-poderoso ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, valeu-lhe a conquista do posto mais relevante na União Europeia, dentro do grupo dos cargos que não dependem diretamente do voto dos cidadãos europeus. “[Schäuble] tem um relacionamento quase paternal com ele”, contava, em 2015, um funcionário do ministério das Finanças da Alemanha, citado pelo VoxEurop. “Wolfgang Schäuble inventou Dijsselbloem”, confessou o entrevistado àquele portal, que justifica tamanha façanha pela forma como o holandês ganhou a reputação de “aliado mais forte da Alemanha, na execução sagrada das normas orçamentais” pelos Estados-membros – principalmente junto dos gregos –, em plena crise económico-financeira. Não foi de todo imprevisto, portanto, que o epíteto de “lacaio de Schäuble” tenha circulado pela comunicação social europeia mais mordaz, ao longo dos últimos quatro anos.
Calmo e metódico
A defesa feroz da austeridade, como o caminho obrigatório a trilhar pelos países europeus incumpridores financeiramente, pode ajudar a explicar porque é que Jeroen Dijsselbloem, natural de Eindhoven, é muitas vezes rotulado como um homem de direita dentro do PvdA, um partido de centro-esquerda, catalogado como social-democrata ou trabalhista. Num contexto em que a maioria dos partidos da esquerda europeia torcia o nariz àquela estratégia de enfrentamento da crise, a sua nomeação, em 2012, para dirigir o ministério das Finanças da Holanda, ofereceu ao executivo liberal de direita de Mark Rutte, no entanto, um importante aliado na implementação de um programa financeiro mais rígido.
Foi precisamente esse posicionamento que agradou a Schäuble e que o levou a confiar num jovem, inexperiente e desconhecido político holandês, para liderar o Eurogrupo. Calmo, imperturbável e metódico, Dijsselbloem fez dessas características as suas armas de liderança. “Nunca vi Jeroen zangado”, admite Thomas Wieser, presidente do Grupo de Trabalho do Eurogrupo, o organismo de presta assistência aos ministros das Finanças da UE. “Ele tem uma paciência infinita. É como um pica-pau que faz um buraco numa árvore: esse é o ‘método Dijsselbloem’. Se não encontrar uma solução, após cinco tentativas, tenta tudo de novo”, explica o austríaco.
Na porta de saída
Peter Spiegel, editor do “Financial Times”, e antigo corresponde daquele jornal britânico em Bruxelas, dizia, que o maior feito conseguido no primeiro mandato do holandês (2013-2015) tinha sido “unir o Eurogrupo”, como “nunca se tinha visto anteriormente”. Mas a verdade é que, dois anos volvidos desde a reeleição no cargo, Dijsselbloem’ está fatalmente destinado a largar o posto. O seu partido sofreu uma derrota embaraçosa nas eleições holandesas do passado dia 15 – os sociais-democratas perderam 29 deputados e apenas conseguiram convencer 5.7% do eleitorado –, pelo que dificilmente integrará o próximo governo ou, mesmo integrando, será uma verdadeira surpresa a manutenção de Dijsselbloem como responsável pela pasta das Finanças. Uma vez que as regras exigem que o presidente do Eurogrupo faça parte do executivo de um Estado-membro e que a legitimidade política do PvdA está pelas ruas da amargura, adivinha-se o abandono do holandês do cargo de liderança dos restantes ministros europeus, num futuro próximo.
Para além disso, não são apenas os regulamentos internos do Eurogrupo que jogam contra Dijsselbloem. As declarações de quarta-feira ao jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” originaram um coro de pedidos de demissão imediata, incluindo do próprio grupo parlamentar europeu. “[As declarações controversas sobre os países do sul] confirmam que Dijsselbloem é incapaz de ser presidente do Eurogrupo”, escreve o líder do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, no site oficial da aliança socialista europeia. “Após a reunião de hoje [ontem] da direção do S&D, vimos por este meio pedir a Dijsselbloem para se demitir do cargo. O Eurogrupo merece um novo presidente progressista”, solicitou o italiano Gianni Pittella.
Se a porta de saída já estava aberta, as declarações de Dijsselbloem escancararam-na ainda mais. Dada a amplitude dos ofendidos, não serão poucos os que se acotovelam para lhe dar um pequeno empurrãozinho.