Londres percorria um caminho idêntico ao que outras cidades europeias fizeram no rescaldo dos seus próprios e recentes atentados terroristas. Erguiam-se memoriais, discursos públicos e vigílias em nome das quatro vítimas mortais que um homem atropelou e esfaqueou ao início da tarde de quarta-feira – um dos feridos, um homem de 75 anos, sucumbiu ontem à noite aos ferimentos. Dissecava-se o ataque, procurando falhas e formas de evitar a sua repetição. Tentava-se descobrir quem, nas agências de segurança, teve responsabilidade por um novo atentado europeu com raízes no radicalismo islâmico. E, num tom caracteristicamente britânico, herança dos dias dos bombardeamentos nazis sobre a capital, prometia-se seguir em frente. Theresa May reforçou esse tom, num discurso aos mesmos deputados que, apenas um dia antes, passaram cinco horas fechados naquela mesma Câmara dos Comuns que o atacante, britânico como eles, tentou alcançar antes de ser abatido a tiro. “Hoje reunimo-nos como é normal, como outras gerações fizeram antes de nós e futuras gerações continuarão a fazer, para enviarmos uma mensagem simples: Não temos medo e a nossa determinação nunca vacilará em confronto com o terrorismo.”
A primeira-ministra britânica foi a primeira a anunciar que o atacante nascera no Reino Unido e fora vigiado pelos serviços antiterrorismo antes de, aparentemente, perder importância. O nome surgiu mais tarde: Khalid Masood, 52 anos, professor em Londres, nascido em Kent, julgado e condenado por vários crimes violentos, mas de pequena monta, como o seu último, em 2003, em que foi apanhado com uma faca. May anunciou que Khalid chegou a ser investigado por tendências radicais, mas que há vários anos passou a ser visto como um caso “periférico”, não havendo indicações de que pudesse lançar um atentado. O britânico nem figurava na lista das três mil pessoas – a maioria radicais islamistas – de quem as autoridades antiterrorismo mais receiam um ataque como o de quarta-feira. Apesar disso, matou quatro pessoas e feriu mais de 40 – duas delas, como a mulher romena que se lançou ao Tamisa, ainda estavam ontem em estado grave.
Que se saiba, Khalid não deixou indicações sobre o que o levou a alugar um carro em Birmingham, onde morava com a família, lançá-lo contra dezenas de peões na Ponte de Westminster e, mais tarde, contra a vedação do Parlamento, onde se apeou para esfaquear e matar um polícia desarmado, Keith Palmer, sobre quem ontem recaíam as maiores cerimónias de luto. Se Khalid não deixou uma mensagem, o grupo jihadista Estado Islâmico encarregou-se, na tarde de ontem, de o reivindicar como um soldado do seu suposto califado, numa mensagem que, pelo atraso e termos – distantes e indiretos, como diz Rita Katz, especialista em terrorismo do grupo SITE -, faz crer que a organização não estava em contacto com Khalid e que ele, como outros terroristas europeus de circunstância, respondeu apenas ao seu apelo genérico à morte dos “infiéis” por qualquer meio à disposição. A polícia britânica, que ontem realizou seis operações de busca e deteve oito pessoas – ao início da noite sugeria-se que “preparavam atos terroristas” -, apoia esta tese. Khalid, disse, “agiu sozinho e inspirou-se no terrorismo internacional”.
O que falhou? Poucos dedos se apontavam ontem às agências antiterrorismo britânicas. Khalid fora vigiado, sim, como foram quase todos os terroristas que, nos últimos anos, agiram na Europa. Como a França, que está em estado de emergência desde dezembro de 2015 e, mesmo assim, não conseguiu evitar o atentado de Nice – em grande parte devido à sua crueza -, o Reino Unido tem milhares de pessoas no radar do radicalismo. Khalid já saíra dele mas, mesmo que lá ainda estivesse, poucas chances teria de ser vigiado. Das três mil pessoas mais alarmantes, aliás, só 500 estão sob investigação e, destas, uma ínfima parte é observada. E que medidas existem que impeçam um homem de se lançar num carro indiscriminadamente contra peões?
“Não é mais segurança que vai resolver isto”, argumenta Bill Durodie, diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Bath, sublinhando que dificilmente é possível impedir ataques como os de Nice e Berlim, por exemplo, mesmo numa altura em que o Estado Islâmico parece ter perdido os meios para coordenar atentados no estrangeiro. Ou, nas palavras de setembro do mayor de Londres, Sadiq Khan, atiradas ontem para o centro das atenções por Donald Trump Jr., filho do presidente americano – escrevendo “só pode estar a gozar comigo” -, segundo quem, hoje, os atentados “fazem parte da vida numa grande cidade”.