As declarações de Dijsselbloem sobre copos e mulheres incendiaram uma boa parte da Europa e levaram à retirada de confiança política por parte do Partido Socialista Europeu.
Obviamente que o ainda líder do Eurogrupo usou uma figura de estilo, mas não houve má interpretação das suas palavras. Embora em modo taberneiro, ele disse o mesmo de sempre. Reafirmou aquilo que a direita pensa e que gostava que os socialistas pensassem: numa versão infantilizada da realidade, há cigarras e formigas, aqueles que produzem ao frio e aqueles que gastam ao sol, reduzindo a uma fábula todas as dinâmicas de integração que falharam na zona euro, os desequilíbrios da convergência, aqueles que ganharam e aqueles perderam competitividade com o euro, o alargamento a leste, o impacto da abertura do comércio internacional à China nos países que chocaram com a deslocalização de produção intensiva, a crise financeira global, a realidade de cada país.
Acontece que nada disto é muito diferente do que a direita portuguesa tem dito ao longo dos anos. Podemos citar várias declarações de muitos responsáveis do PSD e do CDS que põem uns contra os outros (jovens contra menos jovens, trabalhadores do setor público contra trabalhadores do setor privado, trabalhadores precários contra trabalhadores com contrato, etc.), ecoando uma ética quase religiosa e purificadora da austeridade.
Lembram-se? Era preciso destruir para recomeçar de novo, agravando os custos da crise, onerando o trabalho, libertando o capital. Para isso foi preciso construir uma narrativa repetida ad nauseam e insistir na mentira de que os portugueses viviam acima das suas possibilidades, de que tínhamos feriados a mais, férias a mais, ‘garantismo’ a mais, salários demasiado elevados e pensões que tinham de ser cortadas.
Ao fazê-lo, PSD e CDS contribuíram para a fogueira de ignorância e xenofobia que se abateu sobre o Sul da Europa e que corrói os pilares da União. Ainda assim, é compreensível que a direita perfilhe dos mesmos valores na Europa, mesmo que sejam contra os nossos interesses nacionais.
O que destoa nesta degenerescência europeia é que os socialistas (trabalhistas e social-democratas) assimilem a mundivisão da direita. Esses ‘socialistas’, como Dijsselbloem, são os seus principais troféus. Domesticando-os e tornando-os porta-vozes das suas ideias, a direita tenta isolar aqueles que não aceitam capitular: nessa fórmula, os radicais são os socialistas de sempre e não os socialistas convertidos em liberais.
Por outro lado, colonizados pelo pensamento e pela prática da direita liberal, estes socialistas são igualmente importantes para ela porque acabam por conduzir os seus partidos à desgraça. Foi isso que aconteceu com Dijsselbloem na Holanda e é isso que contribui para a hegemonia da direita na Europa.
Tem sido assim em quase todos os países (Portugal é uma feliz exceção): os socialistas caem como peças de dominó e abrem inadvertidamente a porta ao extremismo, porque os populistas aproveitam o vazio de representação e afirmam o seu espaço. A política faz-se de diferenças e é impossível que alguém se afirme como socialista enquanto defende as posições de Schäuble e dos ortodoxos.
Eis porque as declarações de Dijsselbloem não deviam causar assim tanta estranheza. Foi carroceiro, é certo, mas apenas concretizou o radicalismo que sempre pensou e praticou contra os países do Sul e contra o socialismo democrático, perante a oposição firme – mas muito isolada – de alguns socialistas.
O Partido Socialista Europeu tinha a obrigação de lhe ter retirado a confiança política há muito tempo, mas antes tarde do que nunca. Até porque não é tarde para tudo o resto que ainda falta rever, a começar pela cartilha liberal que deixou raízes que urge arrancar.